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‘E pois querem ser juízes dos corações e condenarem os homens à morte
por presunção que só a Deus pertence, certo está que a toda pessoa, de primeira
instância, ainda que peça misericórdia, o poderão trazer a último suplício’. In
Jorge de Leão, 1542
‘No grão dia singular
Que na lira o douto som
Hierusalém celebrar,
Lembrai-vos de castigar
Os ruins filhos de Edon.
Aqueles que tintos vão
No pobre sangue inocente,
Soberbos co'o poder vão,
Arrasai-os igualmente,
Conheçam que humanos são’.
In Luís de Camões, Sôbolos rios…
Prólogo
«No prefácio à Fenomenologia do Espírito, Hegel escreveu:
- A elucidação, prévia à sua obra, que geralmente o autor exprime no prefácio, fim que se propôs, bem como as circunstâncias e a relação que o texto, em seu entender, mantém com tratados anteriores ou contemporâneos sobre o mesmo assunto, no caso de uma obra filosófica, parece não só supérflua mas ainda, por sua própria natureza, imprópria e inadaptada.
As páginas que se seguem versam matéria histórica. Embora tentado a
seguir as indicações de Hegel no que concerne a obras de conteúdo filosófico,
quanto mais não fosse para não dar azo à pecha muito comum de ler, pensar um
livro nas páginas do. seu prefácio, não deixarei de alinhavar alguns pontos
introdutórios que preparem os olhos para a dura jornada. Os primeiros passos que haveriam de desembocar nesta Inquisição (maldita)
de Évora marcaram-se em torno de Bento de Espinosa na tentativa de encontrar
relações entre a sua vida e obra e a sociedade e cultura portuguesas (e
ibéricas) nos séculos XVI e XVII. A pesquisa espinosana trouxe o autor destas
linhas muito tempo mergulhado na obra do filósofo e levou-o a Amesterdão. Mas,
perante a riqueza dos dados recolhidos em Portugal e as dificuldades financeiras
e outras que impediam contactos estreitos com os arquivos de Holanda, viu-se
forçado a centrar o trabalho não já no pensamento e nos relações de Espinosa
com a sociedade e a cultura portuguesas, mas a fixar-se no ‘distrito’
inquisitorial onde viveram gerações dos seus antepassados paternos.
Questionar-se-ão os limites cronológicos das datas de 1533 e 1668. 1533
constitui o ano de prisão da mais antiga vítima conhecida da Inquisição (maldita)
de Évora. 1668? por falta de forças para ir mais longe e também porque considerámos
significativa esta data limite: permite abarcar três importantes períodos da
história portuguesa, a dos últimos monarcas da dinastia de Avis, o domínio
filipino os anos da Restauração, reúne
cerca de 75% de todos os processos da Inquisição (maldita) eborense.
A Inquisição de Évora assume-se como tribunal autónomo em 5 de Setembro
de 1541, dia em que tomou posse, dada pelo cardeal-rei Henrique, o seu primeiro
inquisidor privativo Pedro Álvares, de Paredes. Mas à cidade de Évora,
residência da corte, se vinculam os primeiros passos da Inquisição (maldita)
portuguesa que remontam, juridicamente, à bula de Clemente VII “cum ad Nihil
Magis”, de 17 de Dezembro de 1531. Não ignoro que a instituição formal da
Inquisição portuguesa ocorre em Évora em Outubro de 1536: a 5 desse mês, o
desembargador João Monteiro apresentou a nova bula “cum ad Nihil Magis”, subscrita
pelo papa Paulo III em 23 de Maio desse ano, ao inquisidor-geral frei Diogo da
Silva; a 7 de Outubro, frei Diogo da Silva apresentou, por sua vez, a bula ao
cardeal infante Afonso, irmão do rei, arcebispo de Lisboa e perpétuo administrador
do bispado de Évora; a 22 de Outubro em acto público na Sé desta cidade, perante
o rei, o cardeal Afonso e a corte, foi lida a carta monitória onde se pedia
pelo primeira vez aos ‘vizinhos e moradores nesta cidade d’Évora e seus termos
que se sentem ou sentirem culpados nos ditos crimes e delitos de malvada
heresia’ que se venham acusar». In António Borges Coelho, Inquisição de Évora, dos
Primórdios a 1668, volume 1, Editorial Caminho, colecção Universitária,
Instituto Português do Livro e da Leitura, 1987.
Cortesia Caminho/JDACT