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A problemática das duas opções estratégicas dos Descobrimentos e a
carta de Toscanelli
«O autor era partidário da segunda opção, tal como o foram os
dirigentes portugueses desde o infante Henrique até Manuel I, passando por João II,
tendo sido pela via oriental que Vasco da Gama chegou à Índia em 1498.
A outra opção foi partilhada por alguns letrados cujos nomes não foram
mencionados pelos cronistas mas seguiam o parecer do florentino Paolo dal Pozzo
Toscanelli, tendo entre os seus partidários mais activos figuras como Colombo e
Martin Behaim.
Foi em torno destas duas vias que se centraram as acções de Colombo e
João II, sendo de considerar que o rei português apreciava aquele genovês, como
o mostrou no salvo conduto que lhe passou em Avis a 20 de Março de 1488 ao
tratá-lo com grande consideração a ponto de chegar ao tom muito cordial que se
vê na forma como se lhe dirige no sobrescrito do referido documento:
- A christovam collon noso espcial amigo em sevilha, enquanto no texto o nomeia sob a forma de Christoual Colon.
O famoso genovês, por sua vez, admirava João II, como o demonstra numa
carta que em 1505 enviou ao rei Fernando, o Católico, em que afirmou ser o rei
português aquele que “entendia en el descobrir más que outro”. Apesar do bom relacionamento
assim demonstrado entre os dois homens estes defenderam e seguiram rumos
diferentes para a realização dos Descobrimentos que protagonizaram e foram
decisivos para a História da Humanidade.
As opções sobre a ida para ocidente ou oriente para chegar às Índias
terão sido debatidas em Portugal pelo menos em 1459 e 1474, como se deduz do
teor da carta que o florentino Paolo dal Pozzo Toscanelli (1397-1482) enviou de
Florença a 25 de Junho de 1474 a Fernando Martins, cónego da Sé de Lisboa. Este
documento é fundamental para a História dos Descobrimentos e chegou ao nosso
conhecimento porque Colombo o copiou numa folha colocada no fim do seu exemplar
da “Historia rerum ubique gestarum” de Pio II, que se encontra na Biblioteca
Colombina em Sevilha. Esta carta foi publicada pela primeira vez em l87l tendo
permitido corrigir as deformadas traduções quinhentistas que dela foram feitas
nas obras de Fernando Colombo e Bartolomeu de las Casas. Estes autores tentaram
construir a informação de que Toscanelli e Colombo se teriam correspondido através
de um outro florentino chamado Lorenzo Berardi, como referem através das
seguintes expressões de Fernando Colombo:
- "(...) venne ciò a notizia dell’Ammiraglio, curiosissimo di queste cose e tosto col mezo d'un Lorenzo Girardi fiorentino che era in Lisbona scrisse sopra ciò al dtto maestro Paolo [Toscanelli] (...), que foram seguidas por Las Casas ao escrever que tal troca de correspondência foi feita "(...) tomando por medio a un Lorenzo Birardo, asimismo florentino, que a la sazón o vivia o residia en Lisboa (...).
De notar que o nome Birardo é que está correto, o que é mais um dos
muitos indícios que revelam as deturpações que foram introduzidas na edição da
obra de Fernando Colombo. A maior parte dos estudos realizados sobre esses
alegados contactos epistolares entre Colombo e Toscanelli levam-nos a aceitar
que foram forjados, mas não se sabendo a forma como Colombo teve acesso à carta
de Toscanelli, para o caso de não ser através da própria corte portuguesa,
poderia ser verosímil admitir a possibilidade de ter sido através do referido
Lorenzo Berardi.
Seria estranho que Fernando Colombo tivesse inventado o aparecimento
desta figura neste contexto, sendo ele um mercador florentino que viveu em
Lisboa e foi pai de Juanoto Berardi, que em Castela veio a ser um colaborador e
financiador de Colombo. Lorenzo Berardi esteve associado em Portugal a outro
importante mercador florentino chamado Bartolomeu Marchione, o qual também
poderá ter estado envolvido no processo de transmissão do parecer de Toscanelli
em Portugal. Esta suposição é dada a entender por Piero Vaglienti (1435-1514),
também ele florentino, que registou cerca de 1509 no seu elogio do rei Manuel I
um conjunto de dados interessantes, ainda que envolvidos em deformações e
confusões, como acontece no seguinte excerto, escrito a propósito do objetivo
que levou os Portugueses à Índia». In José Manuel Garcia, D. João II vs
Colombo, Duas Estratégias divergentes na busca das Índias, Quidnovi, 2012, Vila
do Conde, ISBN 978-989-554-912-2.
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