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Herculano perante a Regeneração
«Rodrigo, entretanto, manobrando com a sua conhecida destreza,
conseguia nada menos do que liquidar o velho partido setembrista provocando nele
uma divisão. Com o programa de fomento e obras públicas financiado por capitais
estrangeiros, de que se fez paladino o jovem Fontes, atraiu alguns dos
principais, chefes esquerdistas:
- Casal Ribeiro que sob o Cabralismo publicara inflamados panfletos republicanos e socialistas;
- Rodrigues Sampaio, o prestigioso autor do “Espectro”, e com ele “A revolução de Setembro”;
- o próprio José Éstevam, que se batera na primeira linha contra o Cartismo e o Cabralismo;
- a gente do “Eco dos Operários”, em particular Lopes de Mendonça, que pôs a sua brilhante pena, na “Revolução”, ao serviço do programa de fomento.
Em Março de 1852, numa nova recomposição, Rodrigo conseguia chamar para
o ministério algumas figuras representativas do Setembrismo: Garrett, o visconde
de Seabra (até então amigo, mais tarde adversário político de Herculano).
Aliciara também Jervis de Atouguia, um dos que no ‘ministério de Herculano’ tinham
acompanhado a saída do ministro do Reino.
Lopes de Mendonça justificava a nova-posição dos seus amigos com uma
imagem significativa: diante da mesa posta do banquete é loucura demorar-se
alguém com as formalidades do protocolo. O banquete eram as obras públicas, e implicitamente
as libras e francos que nelas haviam de ser investidas, os empregos em
perspectiva, as fábricas, o comércio. As formalidades eram as questões
políticas de que não abdicavam os renitentes:
- o municipalismo,
- a descentralização,
- uma boa lei eleitoral, etc..
Segundo Mendonça o problema económico primava sobre o problema
político; e os melhoramentos materiais mereciam bem algumas transigências.
O argumento era aliciante, mas o defeito de Herculano não era o
simplismo primário nem a auto-mistificação. Ficou onde estava e acabou por se
achar, ele, o antigo reaccionário d’A Voz do Profeta, à esquerda do próprio
Setembrismo, ou pelo menos de alguns antigos setembristas, na luta contra a
Regeneração de Rodrigo. Herculano combateu na nova Regeneração o reflexo da reacção
triunfante na Europa, que se mascarava sob o manto dos melhoramentos materiais.
Tal é o pensamento de numerosos escritos de Herculano nesta época, em
particular do prefácio da “Origem e estabelecimento da Inquisição (maldita) em
Portugal”. Para o pregar interessou-se activamente na fundação de um diário “O
Portuguez”,cujo primeiro número sai em Março de 1853. Herculano faz parte da
comissão encarregada de encontrar os meios de financiamento e de definir o
programa político do jornal. Escreve o artigo-programa do primeiro número. Como
este artigo provocasse uma resposta de Rodrigues Sampaio n’A Revolução é
Herculano quem toma à sua conta a polémica com
o temível jornalista. Polemiza em seguida com Lopes de Mendonça,
redactor d’A Revolução, que secundara Sampaio. A intervenção de Herculano não
se limitou à polémica n’O Portuguez. No mesmo ano em que se iniciou a
publicação deste jornal concorria Herculano como candidato anti-rodriguista nas
eleições municipais, realizadas no começo de Novembro, saindo eleito Presidente
da Câmara Municipal de Belém, posição que vai aproveitar para fazer fogo contra
o ministro do Reino, Rodrigo». In António José Saraiva, Herculano Desconhecido.
1851-1853, Edições SEN, Porto, 1953.
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