sábado, 23 de junho de 2012

Herculano Desconhecido. 1851-1853. António José Saraiva. «Segundo Mendonça o problema económico primava sobre o problema político; e os melhoramentos materiais mereciam bem algumas transigências. O argumento era aliciante, mas o defeito de Herculano não era o simplismo primário nem a auto-mistificação»


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Herculano perante a Regeneração
«Rodrigo, entretanto, manobrando com a sua conhecida destreza, conseguia nada menos do que liquidar o velho partido setembrista provocando nele uma divisão. Com o programa de fomento e obras públicas financiado por capitais estrangeiros, de que se fez paladino o jovem Fontes, atraiu alguns dos principais, chefes esquerdistas:
  • Casal Ribeiro que sob o Cabralismo publicara inflamados panfletos republicanos e socialistas;
  • Rodrigues Sampaio, o prestigioso autor do “Espectro”, e com ele “A revolução de Setembro”;
  • o próprio José Éstevam, que se batera na primeira linha contra o Cartismo e o Cabralismo;
  • a gente do “Eco dos Operários”, em particular Lopes de Mendonça, que pôs a sua brilhante pena, na “Revolução”, ao serviço do programa de fomento.
Em Março de 1852, numa nova recomposição, Rodrigo conseguia chamar para o ministério algumas figuras representativas do Setembrismo: Garrett, o visconde de Seabra (até então amigo, mais tarde adversário político de Herculano). Aliciara também Jervis de Atouguia, um dos que no ‘ministério de Herculano’ tinham acompanhado a saída do ministro do Reino.
Lopes de Mendonça justificava a nova-posição dos seus amigos com uma imagem significativa: diante da mesa posta do banquete é loucura demorar-se alguém com as formalidades do protocolo. O banquete eram as obras públicas, e implicitamente as libras e francos que nelas haviam de ser investidas, os empregos em perspectiva, as fábricas, o comércio. As formalidades eram as questões políticas de que não abdicavam os renitentes:
  • o municipalismo,
  • a descentralização,
  • uma boa lei eleitoral, etc..
Segundo Mendonça o problema económico primava sobre o problema político; e os melhoramentos materiais mereciam bem algumas transigências.
O argumento era aliciante, mas o defeito de Herculano não era o simplismo primário nem a auto-mistificação. Ficou onde estava e acabou por se achar, ele, o antigo reaccionário d’A Voz do Profeta, à esquerda do próprio Setembrismo, ou pelo menos de alguns antigos setembristas, na luta contra a Regeneração de Rodrigo. Herculano combateu na nova Regeneração o reflexo da reacção triunfante na Europa, que se mascarava sob o manto dos melhoramentos materiais.
Tal é o pensamento de numerosos escritos de Herculano nesta época, em particular do prefácio da “Origem e estabelecimento da Inquisição (maldita) em Portugal”. Para o pregar interessou-se activamente na fundação de um diário “O Portuguez”,cujo primeiro número sai em Março de 1853. Herculano faz parte da comissão encarregada de encontrar os meios de financiamento e de definir o programa político do jornal. Escreve o artigo-programa do primeiro número. Como este artigo provocasse uma resposta de Rodrigues Sampaio n’A Revolução é Herculano quem toma à sua conta a polémica com
o temível jornalista. Polemiza em seguida com Lopes de Mendonça, redactor d’A Revolução, que secundara Sampaio. A intervenção de Herculano não se limitou à polémica n’O Portuguez. No mesmo ano em que se iniciou a publicação deste jornal concorria Herculano como candidato anti-rodriguista nas eleições municipais, realizadas no começo de Novembro, saindo eleito Presidente da Câmara Municipal de Belém, posição que vai aproveitar para fazer fogo contra o ministro do Reino, Rodrigo». In António José Saraiva, Herculano Desconhecido. 1851-1853, Edições SEN, Porto, 1953.

Cortesia de Edições SEN/JDACT