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Se,
para desoprimir o seu triste coração, o poeta subia às vezes
...
ao monte que Hercules Thebano
Do
altissimo Calpe dividiu,
quantas
vezes não procuraria sítios recônditos, para aí se desfazer em lágrimas
ardentes!
Onde acharei
lugar tão apartado
E tão
isento em tudo da ventura,
Que,
não digo eu de humana criatura,
Mas nem
de feras seja frequentado?
Algum
bosque medonho e carregado
Ou selva
solitária, triste e escura,
Sem fonte
clara ou plácida verdura,
Emfim,
lugar conforme a meu cuidado?
Porque
alli, nas entranhas dos penedos,
Em vida
morto, sepultado em vida,
Me queixe
copiosa e livremente?
Que, pois
a minha pena é sem medida,
Alli não
serei triste em dias ledos
E dias
tristes me farão contente.
(Soneto
181).
E, depois
dessas crises de lágrimas, escrevia o poeta:
Pois meus
olhos não cansam de chorar
Tristezas,
não cansadas de cansar-me,
Pois não
se abranda o fogo, em que abrasar-me
Pôde quem
eu jamais pude abrandar:
Não canse
o cego Amor de me guiar
Onde nunca
de lá possa tornar-me,
Nem deixe
o mundo todo de escutar-me,
Emquanto
a fraca voz me não deixar.
E se em
montes, se em prados, e se em vales
Piedade
mora alguma, algum amor
Em feras,
plantas, aves, pedras, aguas,
Ouçam
a longa historia de meus males
E curem
sua dôr com minha dôr;
Que grandes
maguas podem curar maguas.
(Soneto
67)
De vós
me parto, ó vida, e em tal mudança
Sinto
vivo da morte o sentimento.
Não sei
para que é ter contentamento,
Se mais
ha de perder quem mais alcança.
Mas dou-vos
esta firme segurança:
Que, posto
que me mate o meu tormento,
Por as
aguas do eterno esquecimento
Segura
passará minha lembrança.
Antes
sem vós meus olhos se entristeçam,
Que com
cousa outra alguma se contentem;
Antes
os esqueçais, que vos esqueçam.
Antes
nesta lembrança se atormentem,
Que
com esquecimento desmereçam
A gloria
que em soffrer tal pena sentem.
(Soneto
22)
Suspiros
inflammados, que cantais
A tristeza
com que vivi tão ledo,
Eu morro
e não vos levo, porque hei medo
Que ao
passar do Letheio vos percais.
Escriptos
para sempre já ficais,
Onde vos
mostrarão todos co dedo,
Como exemplo
de males; e eu concedo
Que para
aviso de outros estejais.
Em quem,
pois, virdes largas esperanças
De Amor
e da Fortuna (cujos danos
Alguns
terão por bem-aventuranças),
Dizei-lhe
que os servistes muitos annos,
E que
em Fortuna tudo são mudanças,
E que
em Amor não ha senão enganos.
(Soneto
73).
Como não
era de apetecer a morte, para quem tanto sofria, para quem não via outra maneira
de sair do ‘abismo infernal do seu tormento’.
Posto
me tem Fortuna em tal estado,
E tanto
a seus pés me tem rendido!
Não tenho
que perder, já de perdido,
Nem tenho
que mudar, já de mudado!
Todo bem
para mi é acabado;
D’aqui
dou o viver já por vivido;
Que aonde
o mal é tão conhecido,
Também
o viver mais será 'scusado.
Se me
basta querer, a morte quero,
Que bem
outra esperança não convém,
E curarei
um mal com outro mal.
E,
pois do bem tão pouco bem espero,
Já que
o mal este só remédio tem,
Não me
culpem em qu’rer remédio tal.
(Soneto
284)
Mas a
morte, a não ser por um acto condenável, nem sempre está ás nossas ordens. Que fazer
então? Desistir do alto pensamento, ou continuar a sofrer por causa dele?
Vejamos
a luta que se travou na alma do amargurado poeta (152)». In
José Maria Rodrigues (3 1761 06184643.2), Coimbra 1910, PQ 9214 R64
1910 C1 Robarts/.
Cortesia do Arquivo
Histórico/Universidade de Coimbra/JDACT