Maluda, 1971
jdact
«Em Fronteira, por volta de 1565, foi presa Catarina Lopes, o que levou
Nuno Varela, morador na vila , a afirmar que se prendessem os cristãos-novos
por ela ensinados, não ficaria nenhum em Fronteira. Devido a este facto, muitos
se ausentaram, e se outros deixarem de o fazer deveu-se a suas fazendas. Numa fase
posterior (1570-1575) foi a vez da comunidade cristã-nova de Portalegre sofrer
uma vaga de prisões.
O desenrolar destes acontecimentos em comunidades com as quais a de
Castelo de Vide mantinha contactos regulares, deve ter sido motivo de
inquietação para esta ú1tima. O receio revelou-se justificado com a prisão, em
1578, de Manuel Lopes Chaves, a qual destabilizou a comunidade. Muitos se
esconderam ou abandonaram a vila ao tomarem conhecimento de1a, chegando mesmo
ao extremo de pretenderem abandonar o Reino. Foi o caso de Diogo Fernandes, parente
chegado de Manuel Lopes Chaves, que afirmou, antes de partir acompanhado por sua
mulher, a Afonso de Cáceres, que aquele os havia de fazer prender a todos. Não
era o único a pensar desta forma; muitas das fugas que se registam neste
período para fora do reino, coroadas ou não de êxito, ficam a dever-se, pelo menos
em grande parte, a este factor.
Tinha fundamento o medo revelado, uma vez que depois da prisão de
Manuel Lopes Chaves o número de detenções levadas a cabo na comunidade aumentou
de forma significativa. A partir deste momento, os processados funcionam de
acordo com uma relação endogâmica, em que se acusam mutuamente, sendo relativamente
pequeno o numero de testemunhas de acusação que não se integram na própria comunidade.
A constatação desta realidade parece corroborar a afirmação de que os cristãos-novos
de Castelo de Vide tinham má fama, ‘porque
como prendia um descobriam todos’.
O temor da prisão levava-os a informarem-se, junto daqueles que já
tinham passado pelos cárceres do Santo Ofício (maldito), sobre o melhor
comportamento a adoptar na ‘Mesa’
face aos inquisidores, ou a tentar subornar, no sentido de lhes ser possibilitada
a fuga, meirinhos e familiares do Santo Ofício, bem assim como os carcereiros
sobre cuja guarda ficavam, antes de serem transferidos para Évora.
Parece também ser possíve1 estabelecer uma correlação positiva entre as
‘Visitações’ e o movimento de fuga,
quer com carácter definitivo. Para o estudo temos conhecimento de, pelo menos, duas
‘Visitações’: Junho de 1562 e
Fevereiro de 1579, e sabemos que entre algumas pessoas provocaram apreensão.
As fugas não se concretizaram numa etapa única. Iniciavam-se, por
vezes, dentro da própria comunidade, e existem múltiplas referências ao facto
de várias pessoas se esconderem em casa de amigos ou conhecidos por terem familiares
presos e temerem ser por eles denunciados. A fuga podia ganhar uma maior
amplitude quando se abandonava o local de residência e se optava pelo
estabelecimento noutros pontos do reino. Um dos locais privilegiados é Lisboa,
por ser ‘cidade mais larga’, onde o
controle e a pressão exercidos sobre os elementos cristãos-novos eram menos
eficazes. Quando o Manuel Lopes Chaves se queixa ao homem de Salónica que lhe
tinham levantado falso testemunho, obtém como resposta que ‘quem vivia em terras pequenas tinha esses
trabalhos’. Além do mais, a localização geográfica de Lisboa e o facto de
ser ponto importante de passagem por razões de ordem comercial, onde era
possível estabelecer contactos dos mais diversos, tornava-a o loca1 ideal para
preparar a saída do Reino. Vários cristãos-novos de Castelo de Vide se
deslocaram para a capital, nela permanecendo por períodos de tempo variáveis,
até embarcarem em nau que os conduzisse ao seu destino». In Maria Teixeira
Pinto e Lucília Ferreira Runa, A Comunidade Cristã-Nova de Castelo de Vide,
1560 – 1580, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa,
Acta do I Encontro da História Regional e Local, Setembro de 1987.
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