sábado, 21 de julho de 2012

Romance Histórico no Romantismo Português. Castelo Branco Chaves. «Mas certamente o que a leitura de Filinto nunca lhe sugeriu foi o ser essa a matéria que havia de constituir uma nova estética literária e ser esse o caminho para a ressurreição do génio nacional»


jdact e cortesia de wikipedia

Generalidades e Antecedentes
«Quando em Portugal apareceram as primeiras tentativas de novela histórica, publicadas no ‘Panorama’, já as principais literaturas europeias haviam produzido as suas obras-primas deste género, assim como também, por esse mesmo tempo, já a obra de Walter Scott havia deixado de ser o paradigma e o cânone da novela histórica.
Este retardamento resultava de duas causas convergentes:
  • o atraso da vida social e política no Portugal de então;
  • o quase completo alheamento do movimento cultural e artístico europeu em que se vivia no país e do qual o português só tomava consciência quando emigrava.
E para o compreender e nele participar, mesmo nestas circunstâncias, era condição necessária que pertencesse à nova geração, àquela que nascera já nos alvores do século XIX. Dentro do país, a irrequietação literária mantinha-se apenas no prélio pacato em que se debatiam ‘elmanistas e filintistas’. As ousadias dos mais velhos, daqueles que promoveram ou acompanharam a revolução de 1820, concentravam-se todas no campo da política e ainda aí, com timidez e hesitação, proclamando os direitos do povo em nome da Santíssima Trindade. Herculano, no início da sua carreira literária, em 1834, escrevia no ‘Repositório Literário’:
  • «O movimento intelectual da Europa não passou a raia de um país onde todas as atenções, todos os cuidados estavam aplicados às misérias públicas e aos meios de as remediar. Os poemas, ‘Dona Branca e Camões’, apareceram um dia nas páginas da nossa história literária sem precedentes que os anunciem, um representando a poesia nacional, ‘o romântico’; outro a moderna poesia sentimental do Norte, ainda que descobrindo às vezes o carácter meridional do seu autor. Não é para este lugar, o exame dos méritos e deméritos destes dois poemas; mas o que devemos lembrar é que eles são para nós os primeiros e até agora únicos monumentos de uma poesia mais liberal do que a dos nossos maiores».
Mas ‘Dona Branca e Camões’ escreveu-os Garrett no exílio. Foi durante a sua primeira estada em Inglaterra, em 1824, que aprendeu a ver e a sentir «romanticamente» e foi de lá que veio com o propósito de descobrir no povo e nas tradições populares o verdadeiro génio nacional da sua pátria que o mesmo era, para os nossos românticos incipientes, o de instaurar, nestes domínios da Nova Arcádia, o Romantismo.
«Lembra-se, escrevia Garrett a Duarte Lessa em 1824, das nossas conversas de Londres sobre antigualhas portuguesas e o muito que delas se podia aproveitar quem de nossas legendas e velhas histórias e tradições fizesse o que tão bem fazem ingleses e alemães, que é vesti-las de adornos poéticos, e sacudir-lhes a poeira dos séculos com bem assisada escolha e apropriado modo? Pois desde então, e já de mais tempo me fervia isto na cabeça, não fiz eu senão pensar no jeito com que me haveria para armar assim uma cousa que se parecesse, mas que de longe, com tanta cousa boa que por cá há por estas terras de Cristo, e que pelas nossas, de tão ricos que somos, se esperdiçam e andam a monte, por desacerto de letrados e barbarismos de ignorantes».
Estas «antigualhas», «velhas histórias» e «tradições» cujo aproveitamento literário já de mais tempo lhe fervia na cabeça, fora-lhe então provavelmente sugerido por Filinto Elísio que planeara uns ‘Fastos’ portugueses e para tal obra compusera vários quadros acompanhados de muitas notas. Numa delas confessou Filinto:
  • «Tinha, à imitação de Ovídio, começado estes ‘Fastos’, onde desse conta das nossas festas cristãs das nossas romarias, círios, festejos que as acompanham, e outros ritos que são de nosso uso, quando uma doença, e depois outras ocupações me atalharam de as continuar. Deito este bosquejo a Deus e à ventura; se me constar que agrada, prosseguirei, incluindo nela os avisos que me vierem das pessoas que quiserem concorrer para consagrar num poema nacional os usos dos nossos maiores, ou os que nós instituímos».
Mas certamente o que a leitura de Filinto nunca lhe sugeriu foi o ser essa a matéria que havia de constituir uma nova estética literária e ser esse o caminho para a ressurreição do génio nacional.
Não fosse, porém, a leitura das ‘Reliques of ancient English Poetry de Thomas Percy, a das obras de Shakespeare e das de Byron e a dos romances de Walter Scott, não estivesse Garrett mergulhado no ambiente onde se desenvolvia a poesia romântica, que as sugestões de Filinto não o teriam tornado poeta dos tempos novos. Foi por esta época, a do seu exílio em Inglaterra e em França, de 1823 a 1826, quando compôs os poemas ‘Camões e Dona Branca’, todo namorado das melancolias do romantismo, que Garrett delimitou o âmbito que viria a ser o do nosso primeiro romantismo, propondo-se a dotar Portugal de uma literatura nacional e própria “Vamos a ser nós mesmos, vamos a ver por nós, a copiar a nossa natureza, e deixemos em paz gregos, romãos e toda a outra gente” cujo fulcro se encontraria na nossa Idade-Média essencialmente conservado na alma do povo:
  • «O que é preciso estudar é as nossas primitivas fontes poéticas, os romances em verso e as legendas em prosa, as fábulas e crenças velhas, as costumeiras e superstições antigas… Por tudo isso é que a poesia nacional há de ressuscitar verdadeira e legítima».
In Castelo Branco Chaves, O Romance Histórico no Romantismo Português, Instituto de Cultura Português, Centro Virtual Camões, Instituto Camões, oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, 1980.

  
Cortesia do Instituto Camões/JDACT