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A descoberta do mundo pelos Ibéricos
«O grande surto do descobrimento de novas terras desconhecidas na Idade
Média começou no século XIV. Italianos, maiorquinos, aragoneses e talvez mesmo
portugueses visitaram várias vezes as ilhas Canárias, onde, segundo algumas
lendas muito antigas, reinava uma felicidade quase absoluta. No entanto, o objectivo
dos primeiros navegadores que alcançaram as Canárias estava bem longe de ser a
conquista da felicidade, nessas ilhas que se pensava serem tranquilas, com um
clima ameno e ricas de flores e de frutos. A realidade era bem diferente;
encontravam-se terras muito pobres e habitadas por gente miserável. Apesar
disso, insistiu-se em visitar as Canárias porque:
- Aí se podiam, pelo menos, adquirir alguns vegetais utilizados na indústria têxtil do Norte da Europa;
- Era muitas vezes possível, através de uma luta desigual, fazer prisioneiros entre os autóctones, depois vendidos como escravos na Europa, onde eram sobretudo utilizados nos trabalhos agrícolas;
- E, por último, pensava-se na possibilidade de ocupar algumas das ilhas, a fim de serem colonizadas.
No que respeita ao projecto de cristianização, chegou-se, no caso das
Canárias, até à indicação dos bispos; e a ocupação foi pela primeira vez
projectada por Luís de la Cerda; duas tentativas sem qualquer sucesso, deve ser
desde já dito. Aos padres deparou-se uma forte resistência por parte dos
indígenas; o mesmo sucedeu com la Cerda, que se proclamava rei das Canárias, mas
não recebeu, para tornar efectivo o reinado, qualquer ajuda dos reis da
Península, em particular do rei de Portugal.
No início do século XV, a tentativa de ocupação levada a cabo pelo
normando Jean Béthencourt teve melhor sorte; o expedicionário instalou-se numa
das ilhas e conseguiu exercer um fraco domínio sob uma parte do arquipélago.
Esta aventura deu origem à primeira crónica que possuímos sobre as Canárias; o
célebre texto, denominado ‘Le Canarien’,
fornece-nos, com efeito, algumas indicações preciosas sobre a vida das ilhas
nessa época tão remota.
Nas Canárias deparam-se-nos, pela primeira vez, casos de rivalidade
existente entre Portugal e Castela, ou Aragão, então ainda separado de Castela.
Esta rivalidade veio a aumentar e terminou com um tratado de circunstância,
satisfazendo ambos os países. Para uma melhor compreensão do assunto, convém
salientar que as Canárias representavam diferentes objectivos para os Portugueses
e os Aragoneses:
- Para estes últimos, o fim era a ocupação e exploração económica das ilhas;
- Para os Portugueses, elas deveriam sobretudo constituir pontos de apoio das viagens ao longo da costa africana ao sul do cabo Bojador.
Quando esta estratégia portuguesa se começou a delinear, os Castelhanos
e os Aragoneses estavam já instalados no arquipélago das Canárias; todas as
tentativas dos Portugueses para ocupar uma das ilhas fracassaram (de uma delas
há notícia concreta: deu-se durante a vida de Henrique-o-Navegador, em 1425).
Os Portugueses apelaram para as leis reconhecidas pelos países nessa
época, defendendo o seu direito à ocupação das ilhas sob pretexto da sua
proximidade geográfica com Portugal, mas tais argumentos não foram aceites no
Concílio de Basileia, em 1435.
Por outro lado, é forçoso reconhecer que os direitos dos Aragoneses se
viram ameaçados pela presença de Béthencourt.
Passemos agora um pouco adiante para relembrar apenas as fases mais
significativas dos Descobrimentos. Enquanto os Aragoneses e os Castelhanos
asseguravam o seu poder sobre aquelas ilhas, os Portugueses empreendiam viagens
em direcção ao sul, ao longo da costa africana, até então desconhecida.
Por outro lado, tem de se reconhecer que por então só se aventuravam ao
longo da linha costeira, e apenas à luz do dia, como relata Cadamosto. Só em
1446, aproximadamente, se iniciaram as tentativas de empreender a viagem de
regresso pelo mar largo, com grande economia de tempo. Este facto representa um
primeiro passo no conhecimento, ou, talvez melhor, na descoberta da geografia
física». In Luís Albuquerque, As Navegações e a sua Projecção na Ciência e na
Cultura, Gradiva, 1987.
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