terça-feira, 17 de julho de 2012

Cátedra Eduardo Lourenço. Universidade de Bolonha. Margarida Calafate Ribeiro. Uma Outra História de Regressos: Eduardo Lourenço e a Cultura Portuguesa. «O problema da nossa identidade começa antes, quando o nosso rei se tornou e definiu a si e ao país como senhor da Guiné, Etiópia, Índia e […] na reflexão sobre os discursos…»



Cortesia de wikipedia e jdact

Para Eduardo Lourenço e Helder Macedo
«Nesta linha, a entrada de Portugal para a Europa comunitária, nos anos 80, ainda que num primeiro momento possa ser vista como um volte-face necessário para rapidamente nos aliviar de traumas imperiais e neutralizar vagos e complexos sonhos de reencontro de uma geografia afectiva e cultural portuguesa pela imagem do antigo império, foi também a maneira politicamente conseguida de rapidamente passarmos a um tempo pós-colonial, integrando-nos de imediato na família das antigas metrópoles coloniais, agora nações pós-coloniais, à qual chegávamos mais uma vez atrasados, mas não à maneira do século XIX, como convidados menores, e mais tarde, já nos anos 60, como carentes emigrantes económicos ou como carentes de espaço político e ideológico no nosso próprio país, enquanto exilados. Nessa época, a Europa éra-nos exterior e nós estávamos fora dela, mas agora, como notou Eduardo Lourenço, não éramos nós que íamos para a Europa, mas a Europa que viria até nós, “A Europa connosco” no conhecido slogan da época que, ao inverter o sentido da busca há séculos feita da periferia para o centro, nos sentava confortavelmente na mesa das nações europeias, dando-nos a possibilidade de, com a Europa, nos imaginarmos, de novo, no centro. Como sublinha Boaventura Sousa Santos, no slogan estava contida a promessa de que Portugal poderia “construir e consolidar uma sociedade democrática estável, uma sociedade como as da Europa Ocidental”, dissipando-se deste modo os receios, dos sectores mais conservadores da esquerda e da direita, de que Portugal desapareceria submerso às vontades das grandes potências europeias, assumindo-se portanto que “estar com a Europa” seria “ser como a Europa”. Mas, na verdade, não era só a Europa que vinha até nós, acarinhando a nossa jovem democracia para que ela se preservasse bem comportada e ocidental. Éramos nós também que apresentávamos e integrávamos na Europa o nosso bilhete de identidade, há muito vivido como singular. Na esteira de Oliveira Martins, para quem “a nossa História é ininteligível sem o contexto ibérico, depois europeu, mais tarde mundial”, estudos vários e exposições, ocupar-se-iam de relacionar a nossa história, os nossos Descobrimentos, o nosso épico, a nossa epopeia com a Europa. José Mattoso, que na sua abordagem pioneira, enceta uma revolução de abertura na historiografia portuguesa, mostrar-nos-ia que “os Descobrimentos não são apenas um acontecimento português mas também europeu”, cuja amplitude “só se pode compreender (…) quando se relaciona com a conjuntura económica e demográfica de toda a Europa e com o sistema de pensamento ou a atitude perante o mundo, característicos da civilização europeia”. Mas seria, sem dúvida, na literatura que regista esta viragem e no ensaísmo de Eduardo Lourenço que todas estas problemáticas identitárias iriam ser por todos nós pensadas e até vividas. Na sua colaboração na imprensa e nos ensaios reunidos sob o título Nós e a Europa ou as Duas Razões, Eduardo Lourenço “integra-nos” histórica, mitológica e literariamente no sistema europeu, ao mesmo tempo que nos mostra claramente como sempre tínhamos estado culturalmente na Europa. Mas não seria só na nossa “recente” relação com a “Europa por subtracção”, na brilhante expressão de Roberto Vecchi para definir a visualização do Portugal pós-colonial e as suas relações com a Europa, que Eduardo Lourenço se desdobraria de paixão. Nem mesmo nas interpretações de Portugal enquanto pequeno rectângulo europeu, para o qual, tão ironicamente, não encontra, à semelhança de tantos outros países europeus, problemas de identidade, e que se revela no pós 25 de Abril como espaço de efectivo retorno, ao qual Helder Macedo chamou “a nova fronteira a explorar”. O problema da nossa identidade começa antes, e de acordo com Eduardo Lourenço, quando o nosso rei se tornou e definiu a si e ao país como senhor da Guiné, Etiópia, Índia e, nesta hora de regresso ao cais, é na reflexão sobre os discursos, mormente literários, que narraram, pensaram e imaginaram o Portugal que a viagem fez de nós que Eduardo Lourenço se apaixona por “nós” como Oliveira Martins se tinha tragicamente apaixonado por “Portugal”». In Margarida Calafate Ribeiro, Uma Outra História de Regressos: Eduardo Lourenço e a Cultura Portuguesa, Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra, Cátedra Eduardo Lourenço, Universidade de Bolonha, Instituto Camões, Dezembro de 2007.

Cortesia de Instituto Camões/JDACT