segunda-feira, 16 de julho de 2012

FCG. Damião de Góis. Elisabeth Feist Hirsch. «Gois também tinha razões pessoais para se sentir satisfeito em Antuérpia. Embora raras vezes se referisse a família donde vinha, é bem possível que Gois tivesse recebido da origem holandesa dos seus antepassados maternos o gosto marcado que sentia pelos Países Baixos…»



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Diplomata
«Quando João III subiu ao trono em l52l a estrutura política de Portugal era muito semelhante à de qualquer outra grande potência europeia. O primeiro rei de Portugal, Afonso Henriques, obtivera uma vitória decisiva contra os mouros e a independência em relação à Espanha no século XII. Na viragem do século XVI a nação estava unificada e o poder era, firmemente exercido pelo rei; o rei reunia as cortes quando queria, e isso só de longe em longe. Esse sistema era como o da Espanha e o da França, mas no que respeitava à política externa Portugal movia-se num sentido que era ditado pelos seus próprios interesses nacionais. Isso vê-se claramente através duma comparação da história de Portugal com a de Espanha no período de João III, cujo reinado decorreu aproximadamente nos mesmos anos que o de Carlos V de Espanha; o rei espanhol iniciou o governo dois anos antes da subida de João III ao trono e abdicou dois anos antes de este morrer. Ambos os governantes tinham adquirido impérios coloniais, mas enquanto que Carlos V combinava as responsabilidades além-mar com uma política de poder na Europa, o rei de Portugal concentrava os seus esforços na defesa e no reforço das possessões coloniais.
Tem sido frequentemente apontado que Portugal não tinha nem a capacidade humana, com uma população de um milhão apenas, nem as finanças precisas para a manutenção de um império tão vasto; não há dúvida de que os portugueses tinham poucos recursos para se lançarem numa luta pela supremacia na Europa. Mas Carlos V e o seu sucessor, Filipe II, também tinham sérios problemas financeiros e não lhes era fácil gerir as conquistas feitas na América; também dependiam  da assistência financeira dos banqueiros. Todavia os portugueses, logo que emergiram como nação independente, orientaram-se no sentido de novos Descobrimentos e conquistas, com uma determinação e um fervor que excluíam quase tudo o mais. Esse propósito único e exclusivo estava na raiz do seu êxito e explica também o considerável isolamento em que se encontravam em relação ao resto da Europa, assim como a falta de interesse que sentiam pelas questões políticas europeias.
João III preocupava-se acima de tudo com a manutenção dos laços económicos que ligavam Lisboa a Cracóvia; esse pensamento pesava mais do que quaisquer outras considerações. Nem Manuel I nem João III mantiveram na Europa diplomatas de estatura tal que merecessem menção especial na história, Os representantes portugueses como Góis eram mais peritos em economia do que hábeis no jogo da alta diplomacia. Não podiam, como é obvio, ser inteiramente desprovidos de perícia diplomática, visto que tinham de negociar questões financeiras e comerciais, mas não tinham um percurso político específico a seguir. Contudo, como a economia estava, então como agora, intimamente ligada à politica, os portugueses tinham que ser observadores atentos da cena política sem tentar tomar nela parte activa.
Quando Góis foi enviado a Antuérpia no verão de 1523, estava bem definida a sua tarefa como secretário da Casa da Índia. Como Lisboa, Antuérpia era um grande centro comercial. Entre os muitos mercadores estrangeiros que se tinham estabelecido na cidade do Escalda distinguia-se a ‘nação’ portuguesa, devido ao papel de Manuel I na valorização comercial de Antuérpia. Basta ler a longa lista de importações oriundas de Lisboa na famosa descrição dos Países Baixos por Ludovico Guicciardini para se poder avaliar a extensão das transacções portuguesas na Bolsa. Os vereadores de Antuérpia, em sinal de reconhecimento pela contribuição de Portugal para a prosperidade da sua cidade, tinham-lhe oferecido em 1511 o majestoso edifício de Kipdorf. Esse edifício, que se passou a chamar Casa da Índia, era um ponto focal para todos os negociantes que aguardavam mercadorias vindas de Lisboa. Góis, habituado a um meio de riqueza, de conforto e de cultura, encontrou o mesmo ambiente em Antuérpia; muitos dos seus novos associados gozavam duma vida de luxo e revelavam gostos culturais semelhantes aos seus.
Gois também tinha razões pessoais para se sentir satisfeito em Antuérpia. Embora raras vezes se referisse a família donde vinha, é bem possível que Gois tivesse recebido da origem holandesa dos seus antepassados maternos o gosto marcado que sentia pelos Países Baixos e até mesmo a admiração manifesta pela Alemanha. Góis visitava a Holanda amiúde e relacionava-se com os holandeses que iam a Flandres para serem educados em Lovaina». In Elisabeth Feist Hirsch, Damião de Góis, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1967.

Cortesia da FC Gulbenkian/JDACT