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«Quando no fim de Dezembro de 1439 o regente - infante Pedro, depois de
nas Cortes ter aceitado a regência do reino por parte da rainha e a defesa do mesmo
de que foi investido, entra em Lisboa, vem acompanhado pelos seus homens de armas
e as gentes do abade de Alcobaça. Resolveu trazer consigo o jovem sobrinho e rei
mas D. Leonor opôs-se, enviando-lhe um emissário a Alfeizeirão. Pedro recusou, por
sua vez, ir a Alenquer, onde se encontrava a cunhada e, perto das portas de
Lisboa, acampou com sua gente, fidalgos e amigos, mais de quatro mil pessoas,
no Lumiar. A rainha, absolutamente possessa e manobrada pelo Barcelos, recusava
que o rei viesse a Lisboa, recusava-se a sair de Alenquer onde parecia ter-se
refugiado e o regente Pedro acompanhado pelos seus irmãos, João, a quem o
ligava uma amizade muito especial, e Henrique, entrava em Lisboa. O infante João,
não estando de acordo com a regência da cunhada, propusera ao irmão que tomasse
o governo do reino mas Pedro, refutando, afirmou que o assunto só se resolveria
em Cortes.
Assim foi. O procurador do Porto propôs que o jovem rei fosse retirado
da influência materna e criado com homens para se não tornar mole e efeminado
porque, além disso, seria alimentado com o ódio manifesto da mãe ao cunhado. Se
algo de mal acontecesse ao rei, então um garoto com perto de sete anos, sabia
que imediatamente o irmão bastardo o acusaria de regicídio. Propôs, em
resultado de tal perigo, que a mãe, ele, o defensor do reino e o rei se
mantivessem juntos nas suas viagens pelo País, no cumprimento dos requisitos da
defesa e governação. A rainha, mais uma vez, opôs-se. Ela, a Rainha-mãe, não
andava às ordens de ninguém! Se queriam o filho, que lho levassem! Era sem
dúvida cruel a ideia de lhe retirar o filho. O fogo que se estruturava manifestou-se
por de mais confuso, impiedoso e terrível para aquela mulher sem qualquer
sentido político, sem inteligência e perdida completamente no ódio ao cunhado,
à cunhada, ao drama imenso que estava auxiliando a entrelaçar-se na vida de
todos eles e da própria nação- Fez pior. Abandonou tudo, deixou todos os
filhos, os cinco filhos que parira, não tendo a mais pequenina das infantas
ainda completado um anito de vida. Deixou entregue à criadagem as filhas em Sto
António do Tojal e foi para Sintra. Depois, numa fugida histérica, para
Almeirim. As Cortes, em Lisboa, não tinham perdido tempo. D. Leonor sabia-se
vigiada pelo cunhado mas não manifestava a mínima prudência em se furtar a suspeitas
e aleivosias. Desde o início da sua actuação ela pede, por acções, a
intervenção dos irmãos e sabe que a actuação que preferiu escolher pode ser uma
arma de dois gumes e pode também servir as ambições de Pedro e de seus apoiantes
que vêem com maus olhos uma mulher, e ainda por cima estrangeira, a governar o
Reino. Em Lisboa, a regência é entregue ao infante Pedro. A educação dos filhos
órfãos do Rei Duarte à mãe. No entanto, Pedro não perdoa nem transige. Pelo contrário,
exige a tutela dos Infantes.
Pedro parte com o Rei e a corte para Santarém. A rainha, do outro lado
do rio, mantém a fronteira porque o Regente sabe através dos seus espiões, entre
os quais constam muitos dos jovens fidalgos que servem a rainha, que o ambiente
é de conspiração. É então que o conde de Barcelos aconselha a rainha viúva a dirigir-se
ao Crato e aí se alojar, pedindo auxílio militar ao prior. De resto, daí ela
teria acesso mais rápido ao auxílio militar de seus irmãos de Castela! Foi um
erro fatal.
Se o cinismo de Pedro previa tal actuação, não o saberemos nunca, mas é
bem possível que sim, porque em política todas as previsões são válidas desde
que o jogo final fique na nossa mão e D. Leonor nada devia à inteligência. Nem
sequer soube utilizar os trunfos que teve na mão. Como uma galinha louca
afugentou-os, delapidou-os e abandonou tudo e todos. Ao velho Afonso de
Barcelos não interessava o poder do irmão mas não necessitava também que a
rainha ou o rei fossem fortes. Dividir para reinar. Não fora César quem o
concebera e praticara em primeira mão? Mas como Afonso também não era inculto até
é possível que se tenha recordado de Horácio, ou alguém, um dos filhos, por
exemplo, o tenha informado que “dente lupus, cornu taurus petit”». In Seomara
Luzia da Veiga Ferreira, Crónica Esquecida d’el rei João II, Editorial
Presença, Lisboa 1995, 4ª edição, Lisboa 2002, ISBN 972-23-1942-6.
Cortesia de Editorial Presença/JDACT