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«Primeiro que tudo, naturalmente, importava fazer e guerra
contra os mouros independentemente, por si só. Afonso Henriques nunca reclamou
o auxílio dos vizinhos contra os muçulmanos, mas antes sempre fazia e guerra,
ou assinava a paz, por iniciativa própria. Quantos mais êxitos assim conseguia,
e quanto mais habituava os cavaleiros portugueses à sua bandeira, tanto mais segura,
era a sua posição em face das pretensões dos vizinhos cristãos.
Mas reconhecia também que só isto não bastava: além da
nobreza, precisava de atrair para o seu lado também o clero e criar uma Igreja
portuguesa tão independente quanto possível das potências vizinhas. Mas isso só
era possível em liga com o Papado, e assim regressou em breve à política
romófila que seu pai seguira mas que sue mãe havia desprezado.
Reanimou a política portuguesa para com a Igreja. Um dos
primeiros actos do governo de Afonso Henriques foi a respeito do provimento da importante
sé episcopal de Coimbra. Havia lá falecido há pouco o bispo Gonçalo, e já se
havia chegado a acordo com a Infanta D. Teresa para a eleição do Arcediago Telo
como sucessor. Telo havia sido pessoa da confiança de Gonçalo e era de esperar
dele política idêntica, isto é, a favor de Toledo. Por isso, mal Afonso Henriques
tomou posse do governo, logo impediu tal eleição, fazendo-a substituir pela de
Bernardo, Arcediago bracarense, que provavelmente é o autor da ‘Vita b. Geraldi’ francês. A sagração foi
por consequência realizada pelo Arcebispo de Braga Paio, apesar-das pretensões
de Santiago. O novo bispo, prudentemente, escreveu imediatamente ao Papa,
prometeu para mais tarde uma viagem a Roma, e ajuntou a isto um pedido:
certamente o de ser confirmado na sua dependência de Braga. Mas Honório II, que
então ainda se sentava na cadeira de S. Pedro, estava nesta questão do lado de
Santiago. Na sua resposta ao bispo Bernardo, deixava, para mais tarde a
resolução do pedido feito, e quando Diogo de Compostela por seu lado se dirigiu
ao Papa, queixando-se da sagração episcopal feita por Paio de Braga, aquele em
severo mandato ordenou a este que viesse a Roma dar contas do seu procedimento.
Mas antes que tivesse decorrido o prazo, morrera Honório II e
novo cisma havia estalado. Que neste cisma também Portugal, como todo o
Ocidente, tinha estado fundamentalmente ao lado de Inocêncio II, não pode ser
posto em dúvida. Mas não possuímos nenhum documento que o prove, por isso mesmo
que nos primeiros cinco anos do governo de Inocêncio II não se pode demonstrar
que tenham existido relações entre o Papado e Portugal.
NOTA: Seria deste tempo a outrora célebre história do ‘bispo negro’, segundo a qual o Papa teria
mandado a Afonso Henriques um cardeal que Afonso Henriques porém teria ameaçado
fisicamente e expulso. Mas é sabido há muito que se trata apenas duma lenda do
século XV, surge primeiro nas «Crónicas breves do S. Cruz do Coimbra», que
dificilmente terá base histórica.
Sabemos apenas que Diogo de Compostela no Verão de 1130 e em
Fevereiro de 1131 conseguiu de Inocêncio II que fosse renovado o mencionado
mandato, e ainda que este ordenasse a entrega a Diogo dos territórios
compostelanos que se encontravam na região de Braga. Paio porém, tanto quanto a
tradição o deixa perceber, não satisfez nenhuma destas exigências, tendo
sobretudo, ao que parece, ficado em aberto entretanto a questão do bispado de
Coimbra.
Era preciso primeiro dar novo impulso ao fortalecimento das
relações entre Portugal e Roma. Esse impulso viria do progresso da vida
conventual portuguesa». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século
da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da
Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.
Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT