Trabalhadores contratados de origem angolana, em S. Tomé. Maximiliano Lopes
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Construção da História. Sedimentação das Culturas Coloniais.
«Como qualquer discurso histórico, o discurso dos historiadores que se
ocupam da África, autóctones ou estrangeiros, está sujeito a revisões
permanentes. A História é formada por definitivos inevitavelmente provisórios.
A revisão do lugar da África no campo da sua própria história e da
história universal conseguiu fazer de Hegel um pensador arcaico, tão
inaceitáveis são as considerações que o filósofo alemão consagra a uma África mítica,
a África dos preconceitos esclavagistas europeus. E se é certo que Hegel fora
anunciado por Kant, convém assinalar aqui a importância das modificações introduzidas
no campo da história. Como tantos outros historiadores especializados na
história do continente e das suas relações com o mundo, pude assegurar a
passagem da negatividade obscura de Kant e de Hegel, à compreensão dinâmica
marcando os diferentes passos da construção da história pelos africanos .Tarefa
nem sempre fácil dado o peso dos estereótipos negativos: a desvalorização do
homem africano não podia deixar de levar à desvalorização dos seus produtos
civilizacionais e da sua história.
Sem fé, sem rei, sem lei.
O corte epistemológico registado na história das espécies, associado ao
lento reconhecimento da “inteligência africana”, permitiu superar as maneiras
de ver o africano que podemos encontrar em Kant, na sua “Antropologia do ponto de vista pragmático”, e em Hegel, sobretudo
em “A Razão na História”. Os dois
pensadores pertencem ainda ao quadro que não consegue distinguir os ‘homens
silvestres’ e os grandes macacos, como aparece de maneira decidida num soneto injurioso
que serve a Bocage para ‘africanizar’ o mulato brasileiro, o padre Domingos Caldas
Barbosa, ‘o trovista Caldas’.
Esta maneira de recusar aos africanos a sociabilidade, torna-os coisas
da floresta, como o continuam a ser na filmografia de Tarzan, incapazes de
definir e de urbanizar os espaços. Esta impotência cultural explica por sua vez
a ausência de tecido urbano, quando não pode ser completamente separado do macaco.
Ora os macacos vivem em bandos, mas não dispõem de nenhum instrumento político,
no sentido que lhe é dado pelo Aristóteles de “As Políticas”.
Trata-se de resto de uma velha tradição que, face aos novos homens,
africanos, americanos, asiáticos, leva os europeus a classificá-los como grupos
humanos, sim, mas sem civilização; sem fé, isto é sem Deus; sem rei, isto é sem
Estado, sem autoridade e sem território organizado; sem lei, isto é sem regras fixando
a norma social. A ausência de aparelho político é clamorosa, como se pode de
resto verificar no século XVI no texto que o jesuíta Josef Acosta consagrou à “Historia natural y moral de las Indias”.
O comparatismo do jesuíta permite definir os valores de cada continente,
assegurando a nítida superioridade dos brancos, embora se reconheçam algumas
qualidades aos asiáticos.
A África e os africanos foram correntemente pensados como um continente
povoado por populações que não possuíam a menor noção do poder político e ainda
menos do Estado.
NOTA: Se os portugueses começam por prestar alguma atenção à história
do reino do Congo, tal se deve a uma ilusão que levou os primeiros portugueses
a sobrevalorizar a estrutura política congolesa; tal situação conheceu cedo uma
séria revisão. Primeiro, o rei Afonso protestou contra o facto de os portugueses
lhe não fornecerem barcos capazes de lhe permitir a navegação no alto mar, pois
não dispunha das técnicas necessárias para o fazer; depois, contra o facto de
tornarem escrava uma parte da população congolesa, incluindo membros dos grupos
dominantes, acaso parentes do próprio rei. Ou seja, o reconhecimento da história
interna, não obriga a enxertá-la na história universal.
E sabendo nós a articulação que sempre se estabelece entre as soluções
políticas e a própria história, podemos verificar a singular associação destas
duas negações. Só em 1940,isto é, em plena II Guerra Mundial, apareceu em
Londres o volume dirigido por Evans-Pritchard e Meyer Fortes, consagrado aos
sistemas políticos africanos». In Isabel Castro Henriques, Os Pilares da
Diferença, Relações Portugal-África séculos XV-XX, Caleidoscópio, Ciências
Sociais e Humanas, Estudos de História, 2004, ISBN 972-8801-31-9.
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