terça-feira, 31 de julho de 2012

Poesia. Recordações. O meu Dia. «…minha presença rútila e curiosa arde sombria como um arder de palha, curiosa apenas de saber se goza o voar das cinzas quando o vento calha»



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In Memoriam de MLAC e JLT

Ser

Cansada expectativa tão ansiosa
que ser só eu na minha vida espalha!
Na longa noite em que se tece a malha
do que não serei nunca, fervorosa.

Minha presença rútila e curiosa
arde sombria como um arder de palha,
curiosa apenas de saber se goza
o voar das cinzas quando o vento calha.

Lá onde o levantá-las é verdade.
Inutilmente se mistura tudo,
que a mesma ansiedade, já esquecida,

de novo recomeça. Mas quem há-de
contrariá-la? Eu não, que não me iludo:
viver é isto, quando se é só vida.

Jorge de Sena, in 'Post-Scriptum'


Bom e Expressivo

Acaba mal o teu verso,
mas fá-lo com um desígnio:
é um mal que não é mal,
é lutar contra o bonito.

Vai-me a essas rimas que
tão bem desfecham e que
são o pão de ló dos tolos
e torce-lhes o pescoço,

tal como o outro pedia
se fizesse à eloquência,
e se houver um vossa excelência
que grite: — Não é poesia!,

Diz-lhe que não, que não é,
que é topada, lixa três,
serração, vidro moído,
papel que se rasga ou pedra que rola na pedra...

Mas também da rima «em cheio»
poderás tirar partido,
que a regra é não haver regra,

a não ser a de cada um,
com sua rima, seu ritmo,
não fazer bom e bonito,
mas fazer bom e expressivo...

Alexandre O'Neill, in 'De Ombro na Ombreira'

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