jdact
«Vistos estes elementos sociológicos do problema, salta aos olhos a
inevitável conclusão. É ela a mais extraordinária, a mais consoladora, a mais
estonteante que se pode ousar esperar. É ela de ordem a coincidir absolutamente
com aquelas intuições proféticas do poeta Teixeira de Pascoaes sobre ‘futura civilização lusitana’, sobre o ‘futuro glorioso’ que espera a Pátria
Portuguesa. Tudo isso, que a fé e a intuição dos místicos deu a Teixeira de
Pascoaes, vai o nosso raciocínio matematicamente confirmar.
É que os característicos que acabamos de descobrir no nosso actual
movimento poético indicam, absolutamente, a sua analogia com as literaturas
inglesa do primeiro, e francesa do segundo período, e, portanto, impõem que se conclua
daí a fatal analogia com as épocas de que aquelas literaturas são
representativas.
A analogia é absoluta. Temos, primeiro, a nota principal da completa ‘nacionalidade e novidade’ do movimento.
Temos, depois, o caso de se tratar de uma corrente literária contendo poetas de
indiscutível valor. E note-se, para o caso de se argumentar que nenhum
Shakespeare nem Vítor Hugo apareceu ainda na corrente literária portuguesa, que
esta corrente vai ainda no princípio do seu princípio, gradualmente, porém,
tornando-se mais firme, mais nítida, mais complexa. E isto leva a crer que deve
estar para muito breve o inevitável aparecimento do poeta ou poetas supremos,
desta corrente, e da nossa terra, Porque fatalmente o Grande Poeta, que este
movimento gerará, deslocará para segundo plano a figura, até agora primacial, de
Camões. Quem sabe se não estará para um futuro muito próximo a ruidosa
confirmação deste deduzidíssimo asserto?
Pode objectar-se, além de muita coisa desdenhável num artigo que tem de
não ser longo, que o actual momento político não parece de ordem a gerar génios
poéticos supremos, de reles e mesquinho que é. Mas é ‘precisamente por isso’ que
mais concluível se nos afigura o próximo aparecer de um supra-Camões na nossa
terra.
É precisamente este detalhe que marca a completa analogia da actual
corrente literária portuguesa com aquelas, francesa e inglesa, onde o nosso raciocínio
descobriu o acompanhamento literário das grandes épocas criadoras.
Porque a corrente literária, como vimos, ‘precede sempre’ a corrente
social nas épocas sublimes de uma nação. Que admira que não vejamos sinal de
renascença na vida política, se a analogia nos manda que o vejamos apenas uma,
duas ou três gerações depois do auge da corrente literária?
Ousemos concluir isto, onde o raciocínio excede o sonho: que a actual
corrente literária portuguesa é completa e absolutamente o princípio de uma
grande corrente literária, ‘das que precedem
as grandes épocas criadoras das grandes nações de quem a civilização é filha’.
Que o mal e o pouco do presente nos não deprimam nem iludam: são eles
que confirmam o nosso raciocínio. Tenhamos a coragem de ir para aquela louca
alegria que vem das bandas para onde o raciocínio nos leva! Prepara-se em Portugal
uma renascença extraordinária, um ressurgimento assombroso. O ponto de luz até onde
essa renascença nos deve levar, não se pode dizer neste breve estudo;
desacompanhada de um raciocínio confirmativo, essa previsão pareceria um lúcido
sonho de louco.
Tenhamos fé. Tomemos essa crença, afinal, lógica, num futuro mais
glorioso do que a imaginação o ousa conceber, a nossa alma e o nosso corpo, o
quotidiano e o etemo de nós. Dia e noite, em pensamento e acção, em sonho e
vida, esteja connosco, para que nenhuma das nossas almas falte à sua missão de
hoje, de criar o supra-Portugal de amanhã». In ‘A Águia’, 2ª Série, nº 4,
Porto, Abril de 1912.
In Fernando Pessoa, A Nova Poesia Portuguesa Sociologicamente
Considerada, Editorial Nova Ática, 2006, ISBN 972-617-193-8.
Cortesia de Editorial Nova Ática/JDACT