domingo, 5 de agosto de 2012

O Amor de Camilo Pessanha. António Osório. «Porque meditou Camilo durante tanto tempo? Porque se declarou depois de concorrer para Macau? Se fosse aceite, desistiria da nomeação? Fê-lo em desespero de causa? Íntimo como era da família e, sobretudo, de Alberto…»


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«Vejamos ainda outra intrigante questão relacionada com o mesmo assunto. Não tem fundamento, a meu ver, a hipótese de que foi pelo desgosto de a sua proposta não ter sido aceite que Camilo partiu para Macau. Na carta em que se declara, diz que meditou um ano antes de escrevê-la (Outubro de 1893) . Ora, já tinha concorrido antes (19-VIII-1893) a um lugar de professor de Liceu em Macau, e foi nomeado em 18 de Dezembro para a disciplina de Filosofia dessa mesma escola.
De resto, quando Ana responde em 20-X-1893 ‘recusando’, já sabia, ela e os seus familiares da ida para Macau:
  • «E como vai ficar longe esquecerá a mágoa que porventura lhe fará a minha recusa [...]».
Porque meditou Camilo durante tanto tempo? Porque se declarou depois de concorrer para Macau? Se fosse aceite, desistiria da nomeação? Fê-lo em desespero de causa? Íntimo como era da família e, sobretudo, de Alberto, junto de quem trabalhava na comarca de Óbidos cerca de um ano antes da partida para Macau em 17 de Março de 1894, permito-me pensar que Camilo saberia que Ana tinha namoro com Paulino de Oliveira.
Arriscou tudo por tudo. Perante a recusa, a outra alternativa era o Oriente. E escrever aquela dolorosa ‘Canção da Partida’, que João de Castro Osório, preocupado sempre, e compreende-se, em esconder a paixão de Camilo pela mãe, não resiste a comentar ser ‘sugestiva de irremediável desgosto’. Bem o sabia ele, com as provas na mão.

Ana de Castro e o ‘Salvamento’ da Clepsydra
Ana de Castro Osório começou a publicar por volta dos vinte e cinco anos. Tendo recolhido de início os contos da tradição popular que ouvira à sua velha rendeira, deu-lhes forma literária, realizando com eles o que Almeida Garrett, escritor que admirava profundamente, fizera com os romances tradicionais.
Ouvi a meu pai que a sua tia Ana passava em Setúbal um dia, todas as semanas, com uma internada do Asilo das Velhas (ainda hoje existe: é o Asilo Acácio Barradas, pertencente à Misericórdia). Recolhia as histórias que as ‘avós’, as mulheres do povo, guardavam na memória. Na falta de editor, resolveu publicar, a partir de 1897, em folhetos mensais de trinta e duas páginas, ilustrados por Leal da Câmara, os “Contos para as Crianças”, que enviava pelo correio aos ‘pequeninos assinantes’, mediante módica quantia, recebendo eles, no fim de cada série de seis números, as capas; além disso, no fim do ano distribuir-se-á um prémio que será o testemunho da minha gratidão. Assim nasceu entre nós a literatura infantil, constituindo esses contos, durante gerações, o modelo do imaginário das crianças portuguesas, para quem também traduziu Grimm e Andersen. ‘Branca-Flor’, ‘O Homem da Moca’, ‘O Esperto’ e tantas outras narrativas, reunidas em dezoito volumes, com muitas reedições, são autênticas obras-primas, num estilo simples e elegante, usando tanto quanto possível as criações verbais da tradição oral. Na década de 60, são editadas pela Sociedade de Expansão Cultural as “Histórias Maravilhosas da Tradição Popular Portuguesa”, em três volumosos tomos, num total de setenta e sete narrações e, a seguir, os “Contos, Fábulas, Facécias e Exemplos da Tradição Popular Portuguesa”, em quatro volumes, com setenta narrações, de acordo com a revisão definitiva, efectuada pela escritora, agrupando os textos nesses dois grandes conjuntos, que rapidamente se esgotaram.

Na década de 90, a obra de Ana de Castro Osório reaparece com êxito. Primeiro, a Terramar reedita “Branca-Flor e Outras Histórias” (1990 e 1998) e “O Esperto e Outras Histórias” (1991), livros primorosamente ilustrados por Luís Manuel Gaspar. Depois, o Instituto Piaget publica, a partir de 1995,seis volumes de contos infantis, ilustrados por Leal da Câmara, Roque Gameiro e A. Jourdain (os pintores preferidos de Ana de Castro) e, ainda, por Mily Possoz. A escritora volta a ser lida pelas crianças portuguesas. Fernando Vale pretendeu, com a reedição desses livros, satisfazer a necessidade de fazer chegar a cultura portuguesa aos luso-descendentes espalhados pelo mundo».

Canção da Partida
[…]
quem vai embarcar, que vai degredado,
as penas do amor não queria levar…
Marujos, erguei o cofre pesado,
lançai-o ao mar

E hei-de mercar um fecho de prata.
O meu coração é o cofre selado.
A sete chaves: tem dentro uma carta…
- A última, de antes do teu noivado.
[…]
In Camilo Pessanha

In António Osório, O Amor de Camilo Pessanha, edições ELO, obra apoiada pela Fundação Oriente, colecção de Poesia e Ensaio, Linha de Água, 2005, ISBN 972-8753-43-8.


Cortesia da F. Oriente/Linha de Água/JDACT