Auto-de-Fé em Lisboa, História das Inquisições
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“Geralmente confunde-se ‘cristão-novo’ e ‘judeu’. Para quase todos os
que escreveram sobre ‘cristãos-novos’ o problema reside num ‘problema de
Judaísmo. Esta crença era já a dos inquisidores, que fizeram tudo para a
acreditar. Empresa difícil, porque é um desafio, não apenas à inércia das
ideias feitas e à susceptibilidade dos mitos, mas ainda à evidência indiscutida
de uma documentação que, pela sua enormidade, faz as delícias dos eruditos; a
secção inquisitorial da Torre do Tombo”. In António José Saraiva.
«As inquisições portuguesa e espanhola constituem um caso à parte
dentro da história geral da Inquisição (maldita). Esta particularidade resulta
principalmente da qualidade dos réus que elas perseguiam, os chamados
Cristãos-Novos ou 'marranos', e também das relações entre o poder estatal e o
poder inquisitorial, que na Península Ibérica foi singularmente organizado,
centrado e estável.
O que há de comum a todas as inquisições (malditas), além de conhecerem
e de punirem os crimes contra a fé e os bons costumes é, em primeiro lugar, o
investigarem e julgarem esses crimes segundo uma forma de processo especial,
diferente da que se seguia nos crimes comuns. E, em segundo lugar, a
possibilidade de fazer executar, para os ditos crimes, que se consideravam de
natureza ‘espiritual’, penas temporais.
Desta forma, as inquisições (malditas), desde a sua origem, combinaram
dois direitos e jurisdições que tradicionalmente constituíam duas esferas
distintas:
- O direito eclesiástico, aplicado pelo braço ‘espiritual’;
- O direito civil, aplicado pelo braço ‘temporal’. Isto foi possível graças a uma aliança entre o rei e o papa.
Antes da instituição dos tribunais inquisitoriais competia aos bispos
investigar ou inquirir sobre os crimes contra a Fé dentro das respectivas
dioceses. A grande vaga de heresias que grassou no sul de França durante o
século XII deu lugar a uma conjuntura em que o poder pontifício e o poder régio
se uniram não só para a guerra cruzada contra os Albigenses como também para a
eliminação dos vestígios heréticos entre os vencidos. Com este fim, nos primeiros
anos do século XIII, nas regiões mais afectadas pelas heresias, o papa criou
tribunais especiais encarregados de despistar e punir os hereges.
Os seus juízes foram pela maior parte recrutados entre os frades da
ordem dominicana, recentemente fundada, e que estava na vanguarda da luta
contra as novas heresias. Da função de inquirir (investigar) os crimes
heréticos, veio a estes tribunais especiais o nome de Tribunais do Santo Ofício
da Inquisição (malditos). Delegados do papa, e por isso independentes dos
bispos, os inquiridores contavam com a colaboração das autoridades régias para
fazer aplicar penas temporais aos culpados de heresia. Com efeito, sendo uma
instituição eclesiástica, a Inquisição (maldita) só podia, em princípio, impor
penas ‘espirituais,’ excomunhões, penitências, etc.; mas, entregando ou ‘relaxando’
ao ‘abraço secular’, isto é, à justiça civil, os condenados, submetia-os,
implicitamente, à pena de morte e de confiscação de bens, que o direito civil
estatuía para certos crimes, entre os quais os de heresia.
No entanto, as relações entre os tribunais inquisitoriais e a
autoridade régia foram muito flutuantes durante a Idade Média. O princípiuo da
colaboração dos dois poderes foi mais ou menos aplicado consoante as
conjunturas e os lugares, a variação das relações entre o rei e o papa. Antes do
estabelecimento da Inquisição (maldita) ibérica não houve um estatuto fixo
regulando as relações entre o poder real e o poder inquisitorial, isto é, o
conjunto dos tribunais inquisitoriais de cada país, organizados num todo e
representados por um órgão supremo. Pode falar-se, como instituição, de uma
inquisição espanhola, de uma inquisição portuguesa mas não de uma inquisição
francesa ou de uma inquisição aragonesa». In António José Saraiva, Inquisição e
Cristãos-Novos, Editorial Estampa, Fundação Gulbenkian, 1994, ISBN 972-33-1003-1
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