«O vice-rei da Índia, João
de Castro, é uma das personalidades mais fascinantes da História de Portugal, e
muito particularmente da História da Expansão Portuguesa no Mundo. Desde cedo,
o seu carácter de homem de palavra e de honra e de administrador impoluto, as
suas acções de guerreiro temerário e de grande estratega, a sua acção como
cientista e a sua erudição foram razões para que sobre ele se tenham vindo a
debruçar muitos especialistas das diferentes áreas que a sua polifacetada acção
abarcou.
Existem provas
documentais de que João de Castro foi um grande apreciador das obras de arte
orientais, quer da arquitectura hindu, por exemplo, quer das obras móveis, particularmente
das preciosas que adquiriu no Oriente, o que o levou a visitar e a comentar por
escrito sumptuosas templos hindustânicos que o maravilharam. Interessou-se igualmente
pelas singularidades da Natureza, pela Fauna e pela Flora da África e da Ásia,
além de que foi um cultor da Hidrografia, estudando as correntes, as
embocaduras e até parte do leito de grandes rios, fazendo aquilo a que podemos
chamar a cartografia do mar. Deixou-nos ainda vistas de zonas costeiras e de
cidades da África Oriental, do Golfo Pérsico e da Índia.
Foi um dos primeiros
portugueses a criar uma “câmara de maravilhas” aqui em Portugal, concretamente,
na sua casa da Serra de Sintra. Igualmente contribuiu de forma decisiva para o
enriquecimento de uma outra, e muito mais importante, a da rainha D. Catarina
de Áustria, mulher de João III, uma das maiores coleccionadores de toda a
Europa do século de Quinhentos. A documentação que se conserva nos arquivos e
os textos coevos que foram dados à estampa não deixam dúvidas a este respeito,
e devemos ter presente que D. Catarina era irmã de Carlos V, e tinha familiares
chegados em quase todas as grandes Cortes europeias. Para mostrar a sua
magnanimidade, ou por efectivo amor, fez-lhes chegar jóias, porcelanas,
esculturas em marfim, caixas lacadas e com embutidos, leques, e muitas outras
coisas nunca vistas nessas paragens, algumas das quais ainda se conservam em
museus europeus. Algumas das obras que estiveram no seu “guarda-roupa” ou na
sua “câmara de maravilhas” foram encomendadas ou compradas directamente pelo
próprio João de Castro, ou ainda simplesmente ofertas suas. Não restam dúvidas
de que o vice-rei teve um papel decisivo na expansão do gosto pelas obras de
arte e preciosidades do Oriente entre os sectores mais elevados da sociedade do
seu tempo, até porque conviveu com os homens do maior gabarito intelectual de
Portugal e de Espanha: o matemático Pedro Nunes, o escritor e historiador André
de Resende, o bispo e futuro cardeal Miguel da Silva, o historiador João de
Barros, o matemático e filósofo Francisco de Melo, Cristóvão Rodrigues
Acenheiro, Gaspar Barreioros, o autor da inesquecível Corographia, o
músico Mateus de Aranda e, naturalmente, o infante Luís, filho de Manuel I e
irmão do rei João III. Todos eles viveram em Évora, entre 1532 e 1535, quando
João III e a Corte se transferiram para Évora. Aí, João de Castro teve que
contactar obrigatoriamente com artistas como Nicolau Chanterene, Gil Vicente, Francisco
de Holanda, Diogo de Castilho, Miguel de Arruda, Diogo de Torralva, Garcia
Fernandes, etc.
Certamente que, como
acontecia com coleccionadores, como Miguel da Silva e André de Resende, estes
mais inclinados à arte clássica, e mesmo com a própria rainha D. Catarina, já
referida acima, João de Castro além de admirar a beleza ou satisfazer-se apenas
com o valor pecuniário das peças, gostava sobretudo de as estudar e de
compreender o seu verdadeiro significado. Para ele o coleccionismo não foi uma
forma de
aforro, mas sim um meio
de enriquecimento cultural; a curiosidade foi afinal o topos que
motivou, desde o início, a Expansão Portuguesa por terras e mares ignotos.
João de Castro, embora
sem ser por iniciativa própria, acabou por promover ainda mais o gosto pelo
exótico, pelas coisas do Oriente, através das imagens da série de tapeçarias
que foi executada depois dele morrer, e que os seus descendentes ou outros do
seu círculo próximo encomendaram na Flandres, e a que aquela que agora
estudamos pertence indubitavelmente. Nestes “panos de raz” ou “arrazes”
estão representadas as terras, os edifícios, a flora e a fauna da Índia, gente
com trajos estranhos aos olhos europeus, todo um mundo novo que se descobria e
que os portugueses, desde o inicio do século XV, vinham efectivamente descobrindo
e divulgando na Europa. Aliás, o mesmo podemos dizer relativamente às tapeçarias
comummente designadas “À maneira de Portugal e da Índia”, cuja primeira
série e modelo de todas as subsequentes foi encomendada por Manuel I, para
celebrar a chegada de Vasco da Gama ao Hindustão.
Temos que ter em conta
que então se dispendia muito mais tempo do que hoje na observação e análise das
obras de arte, e que estas eram alvo de verdadeiros colóquios entre
frequentadores de cortes reais ou da nobreza que as possuía em quantidade e
qualidade. São conhecidas as tardes de Filipe I de Portugal e II de Espanha
passadas em frente ao seu tríptico pintado por Hieronimus Bosh, discutindo os
mais ínfimos pormenores. No século XVI as imagens eram raras, e qualquer uma
que estivesse disponível não deixava de prender a atenção de quem dela de acercava,
sobretudo se eram homens e mulheres cultos». In Pedro Dias, Uma Tapeçaria Inédita da Série dos feitos de D.
João de Castro, A importação de
esculturas de Itália nos séculos XV e XVI, Coimbra, 1987.
continua
Cortesia de Wikipedia/JDACT
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