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‘Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
nem o que é mal, nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
Fernando Pessoa, in ‘Mensagem’
«O conde Henrique ao morrer, pediu a Afonso Henriques que não perdesse
sequer um palmo da terra que ele lhe dera. A lenda de Ourique consagra a
vocação do império espiritual português. O mesmo império que ganha novo fôlego
com a Rainha Santa Isabel e que se estende depois em direcção ao Mar. Mas o que
é feito desse império que se vê imerso nas brumas de há uns séculos para cá?
Está perdido nas memórias de visionários que alimentam, com palavras, um sonho
de nobreza extrema. O sonho de um Portugal livre, respeitador das suas mais
profundas raízes e tradições, de um Portugal rico em passados gloriosos e
esquecidos, de um Portugal tão à frente e tão dentro do seu tempo! Será que
perdemos o rumo, ou andamos apenas desviados de um caminho, para novamente o
retomarmos?
Puebla de Sanabria
- Quase quinze anos! Quinze anos! - pensava Afonso VII de Castela, com
as mãos entre a cabeça. - A minha família é a minha desgraça... ainda por cima
o arcebispo de Braga é o Primaz das Espanhas!...
Decorria o ano de 1157. Afonso VII, filho de Afonso VI e primo d'el-rei
Afonso Henriques, naquele dia estava de mau humor.
Depois das batalhas de Cerneja e Arcos de Valdevez, Guido de Vico,
legado do papa, tinha convocado uma reunião tripartida no dia 5 de Outubro de
1143, em Zamora. Afonso VII fora obrigado a aceitar a independência do Condado Portucalense. O seu primo Afonso
arvorara-se de censual e
estragara-lhe os sonhos de um império maior.
- O Papa ainda não lhe respondeu
a reconhecê-lo!... Talvez ainda seja possível tramar algo!... pensava, enquanto
a sua mão, pejada de anéis, agarrava, de forma rude, um cálice de vinho.
O Inverno em Sanabria cobria tudo de branco. Desde Tui a Puebla de
Sanabria os irmãos Trava tinham percorrido, numa semana, algumas léguas. Iriam
encontrar-se com o Imperador de Leão e Castela na barbacã de Sanabria, junto ao
rio e sobre uma ligeira colina, que tinha por detrás a serra da Culebra,
coberta de branco. Entraram pela porta de armas e dirigiram-se para o macho (torre de menagem). Ponce
Fernandizi, conde de Sanabria e Carvaleda, tinha cedido o seu castelo ao Rei de
Leão e Castela. Já os tinha observado de longe e esperava-os.
- Senhor conde Ponce... - cumprimentaram-no, respeitosamente, os dois
irmãos.
- Senhor Fernan... e Senhor
Bernardo... o Rei espera-vos e, cá para nós, não está muito bem-humorado! -
disse, em género de segredo gracejado. Os três homens subiram a escada de
pedra, acompanhados de um criado e, no salão do trono estava Afonso VII,
impaciente e irritado; as notícias foram mais ligeiras que eles.
- Imbecis!!!... Incompetentes!!!... Tenho tudo perdido! O meu primo
prepara qualquer coisa, não sei o que é... e vocês… seus estúpidos... não
percebem nada!... Nada! Deixam fugir tudo... imbecis!!!
- Mas... senhor el-rei
Alfonso... - tentaram argumentar Fernão e Bernardo Peres de Trava.
- Qual mas... seus ignorantes...
existe a certeza de terras além-mar e vocês só pensam na minha tia Teresa.
Primeiro casaste tu com ela, de seguida o teu irmão põe-te os c….. e deixam-me
fugir um império pela cama abaixo! ... Coño,
tudo corre mal!!!... Mas isto não fica assim... quero informações precisas
sobre o que se vai passar! - senhor... - disse Fernão, baixando a cabeça - …
podemos saber informações através de Joaquim Muñoz, que já enviámos para Portucale. Elevai manter-nos informados.
Temos tudo controlado, estai descansado!
- Tenham cuidado! Quem traiu uma vez pode trair segunda. Não confio
nesse Joaquim Muñoz! - disse Afonso de Castela e Leão. – o mestre Pedro Robera (mestre
da Ordem do Templo em Castela-Leão, entre os anos de 1152-1177) tem-me colocado
ao corrente... arranjem maneira de saber que passos dá esse... pulha. afirmou,
balbuciando alguns palavrões, enquanto cerrava os punhos e espumava de raiva.
O conde de Sanabria tomou a palavra:
- Senhor meu Alfonso, se me
permitis... Vossa Majestade... - disse, gaguejando.
- Falai, hombre! - ordenou-lhe o
rei.
- Vós sabeis que Afonso
Henriques, para vos irritar, quis ter em Lisboa um santo que rivalizasse com o
nosso Santiago, assim aparece o S. Vicente. Podíamos arranjar uns peregrinos
que nos trouxessem informações, Majestade... - disse, com um sorriso
maquiavélico.
- Tu também rasas a estupidez, Ponce! Não é em Lixbuna, é noutro lugar e não sei onde... os Templários sabem-no de
certeza... Mexam-se seus imbecis... mexam-se!» In Maria João Martins Pardal e
Ezequiel Passos Marinho, A Comenda Secreta, Ésquilo, Lisboa, 2005, ISBN
972-8605-58-7.
Cortesia de Ésquilo/JDACT