'Este artigo incendiou a
Espanha. Publicado no pp dia 14 de Agosto na secção de cultura de El Pais, em
poucos dias tornou-se a peça mais lida de sempre naquele jornal e além disso
teve milhares de acessos no Facebook. O autor é um escritor espanhol
comprometido com os anseios do seu povo. Tornámo-nos uma colónia da Alemanha em
‘Dinheiro Vivo’. O suplemento ‘Dinheiro Vivo’ (do DN e JN) publicou a
sua tradução que, com a devida vénia, aqui republico'.
Relativamente ao calão, que poderia ser considerado abusivo ou inconveniente, coloquei as devidas reticências ou pontos (JDACT).
Relativamente ao calão, que poderia ser considerado abusivo ou inconveniente, coloquei as devidas reticências ou pontos (JDACT).
“Um canhão pelo c.” é o título de um texto de Juan
José Millás publicado no El País e que se tornou viral.
«Se percebemos bem, e
não é fácil, porque somos um bocado tontos, a economia financeira é a economia
real do senhor feudal sobre o servo, do amo sobre o escravo, da metrópole sobre
a colónia, do capitalista manchesteriano sobre o trabalhador explorado. A economia
financeira é o inimigo da classe da economia real, com a qual brinca como um porco
ocidental com corpo de criança num bordel asiático.
Esse porco filho da p…
pode, por exemplo, fazer com que a sua produção de trigo se valorize ou
desvalorize dois anos antes de sequer ser semeada. Na verdade, pode comprar-lhe,
sem que saiba da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro,
que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com
os seus interesses, que durante esse processo delirante o preço desse trigo
quimérico dispare ou se afunde sem que ganhe mais caso suba, apesar de deixar
na m…. se descer. Se o preço baixar demasiado, talvez não te compense semear,
mas ficará endividado sem ter o que comer ou beber para o resto da sua vida e
pode até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região
geográfica em que esteja, e não há nenhuma segura. É disso que trata a economia
financeira.
Para exemplificar,
estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco filho da p…
compra geralmente é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos
dentro, digamos que com gente real que se levanta realmente às seis da manhã e se
deita à meia-noite. Um país que, da perspectiva do terrorista financeiro, não é
mais do que um jogo de tabuleiro no qual um conjunto de bonecos ‘Playmobil’
andam de um lado para o outro como se movem os peões no ‘Jogo da Glória’.
A primeira operação do
terrorista financeiro sobre a sua vítima é a do terrorista convencional: o tiro
na nuca. Ou seja, retira-lhe todo o carácter de pessoa, coisifica-a. Uma vez
convertida em coisa, pouco importa se tem filhos ou pais, se acordou com febre,
se está a divorciar-se ou se não dormiu porque está a preparar-se para uma
competição. Nada disso conta para a economia financeira ou para o terrorista
económico que acaba de por o dedo sobre o mapa, sobre um país, este, por acaso,
e diz "compro" ou "vendo" com a impunidade com que se joga ‘Monopólio’
e se compra ou vende propriedades imobiliárias a fingir.
Quando o terrorista
financeiro compra ou vende, converte em irreal o trabalho genuíno dos milhares
ou milhões de pessoas que antes de irem trabalhar deixaram na creche pública, onde
estas ainda existem, os filhos, também eles produto de consumo desse exército
de ca..~.. protegidos pelos governos de meio mundo mas sobreprotegidos, desde
logo, por essa coisa a que chamamos Europa ou União Europeia ou, mais
simplesmente, Alemanha, para cujos cofres estão a ser desviados neste preciso
momento, enquanto lê estas linhas, milhares de milhões de euros que estavam nos
nossos cofres.
E não são desviados num
movimento racional, justo ou legítimo, são-no num movimento especulativo
promovido por Merkel com a cumplicidade de todos os governos da chamada zona
euro. O Sr. ou a Sra., com a nossa febre, os nossos filhos sem creche ou sem
trabalho, o familiar doente e sem ajudas, com os nossos sofrimentos morais ou
as nossas alegrias sentimentais, o Sr. e a Sra. já fomos coisificados por
Draghi, por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos
tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Somos simples mercadoria que
pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola pública, tornámo-nos
algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o terrorista, por antonomásia, está
prestes a dar um tiro na nuca em nome de Deus ou da pátria.
Ao Sr./Sra. e a mim,
estão a pôr nos carris do comboio uma bomba diária chamada prémio de risco, por
exemplo, ou juros a sete anos, em nome da economia financeira. Avançamos com rupturas
diárias, massacres diários, e há autores materiais desses atentados e
responsáveis intelectuais dessas acções terroristas que passam impunes entre
outras razões porque os terroristas vão a eleições e até ganham, e porque há
atrás deles importantes grupos mediáticos que legitimam os movimentos
especulativos de que somos vítimas. A economia financeira, se começamos a
perceber, significa que quem comprou aquela colheita inexistente era um ca..~..
com os documentos certos. Teria liberdade para não vender? De forma alguma.
Tê-la-ia comprado ao seu vizinho ou ao vizinho deste. A actividade principal da
economia financeira consiste em alterar o preço das coisas, crime proibido quando
acontece em pequena escala, mas encorajado pelas autoridades quando os valores são
tamanhos que transbordam dos gráficos.
Aqui se modifica o preço
das nossas vidas todos os dias sem que ninguém resolva o problema, ou mais,
enviando as autoridades para cima de quem tenta fazê-lo. E, por Deus, as
autoridades empenham-se a fundo para proteger esse filho da p… que lhe vendeu, recorrendo
a um esquema legalmente permitido, um produto financeiro, ou seja, um objecto irreal
no qual investiu, na melhor das hipóteses, toda a poupança real da sua vida.
Vendeu fumaça, o grande
p…., apoiado pelas leis do Estado que são as leis da economia financeira, já
que estão ao seu serviço. Na economia real, para que uma alface nasça, há que
semeá-la e cuidar dela e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver.
Depois, há que a colher, claro, e embalar e distribuir e facturar a 30, 60 ou
90 dias. Uma quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos
que terá de dividir com o Estado, através dos impostos, para pagar os serviços
comuns que agora nos são retirados porque a economia financeira tropeçou e há que
tirá-la do buraco. A economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo
clássico, precisa também do nosso sangue e está nele, por isso brinca com a nossa
saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um
terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua pistola
no r… do sequestrado. Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo r… . E com
a cumplicidade dos nossos». In Movimento Novos Rurais, 25/Ago/2012, via
Patrícia Fonseca, blogkiosk.
O original encontra-se em http://cultura.elpais.com/cultura/2012/08/13/actualidad/1344875187_015708.html
A amizade de Ana Ribeiro
Cortesia de MNR/AR/JDACT