«Depois da missa houve conselho de comandantes a bordo da capitânia, a
nau do capitão e navio-chefe, e resolveu-se que se mandaria um emissário ao
reino e fui eu escolhido para trazer notícia do achamento e para que El-Rei mandasse
com vontade expressa de mandar que se explore a nova terra que é a nosso ver de
explorar. Também foi decidido que não se tomariam indígenas à força para serem
enviados a El-Rei. Mas, para colher informações sobre a terra, aprendendo a
língua dos seus naturais, decidiu-se que ficariam em terra alguns dos degredados
que vinham na esquadra.
Carregámos água doce e lenha na embarcação que me traria e de boa vontade
os indígenas ajudaram aos marinheiros e ainda a vinte e sete foi cortado um
grande madeiro dos muitos que por 1á há nessas terras, e com o qual se preparou
a cruz que, com as armas e a divisa reais, assinala agora a posse da nova terra
para a Coroa.
Cuidamos rer sido tudo tão milagrosamente feito e a contento neste novo
descobrimento de uma terra nova e, ao que parece, de riquezas tantas...
El-Rei resmungou:
- Terra nova, terra nova!
Chateação, pela certa. Se ainda ao menos esses indígenas soubessem a cura para varizes
e achaques de perna. Que me dizes, ó fradinho?
Definitivamente imbecil, o fradinho não dizia.
- Ele, por Dios!
- Ele?
- Sem mas...
- Ele, mas como ele? - gritou o
ex-sogro de El-Rei, recentemente libertado de tal condição pela única graça
que a filha lhe dera, morrendo e soltando-o das amarras com uma coroa que
temia.
- Como ele, como logo ele?
Estavam de serão, rei e rainha, saboreando umas broas castelares,
beberricando licor, e apreciando um bom fogo crepitante de lareira.
A rainha comunicava ao marido que El-Rei pretendia agora casar com uma
segunda filha deles, e que ela a bons olhos a pretensão.
- Ele?
- Considerar que una persona o
cosa no merece consideración e no tiene valor y rechazarla...
- Despreciar? Si, si, si... Nos
ha tomado el pelo a todos con sus engaños... Mira...
- El matrimonio...
- El matrimonio... Sacramento de la
Iglesia católica que une a un hombre y a una mujer ante Dios y ante la Iglesia,
con Manuel une… una hija a um asno…
- Mas, Nandinho, filho… Aquilo é
reino amaldiçoado, onde todos morrem cedo.
- Mas, quem te garante que
morra? Morrer o figurão?...
- Até ele já está enfermo, ao
que parece...
- Se ao menos a nossa filhinha o
despachar…
- … Teremos o Mundo inteiro sob
uma só coroa…
- Belinha, minha senhora, cuidai
no que dizeis, O homem tem uma sorte dos diabos, Deus me perdoe e amen... Nem era
tido nem achado para rei e 1á se acha… Não. Casar outra filha com aquilo… Que
desgraça!
- Não concordo.
- Nunca concordais com nada do
que digo.
- Pois não contais comigo em
vosso leito daqui por diante. Acabou-se.
- Acabou-se?
- Haber llegado a un último
extremo!
- Nem brinques, filha! Eu volto
atrás. E deixa de acalambrar-te…
- Antes de mais, Nandinho, acho
melhor consultar a nossa menina. Que dirá? Será seu desejo suceder a defunta?
Terá coragem para enfrentar o bruto?
- Pois se considerarmos o interesse do reino, terá coragem para isso, e
até para o despachar, se caso for…
- Assim Deus nosso senhor nos
ajude na despachação, e amen.
- Casemos, pois, a nossa Maria
com esse façanhudo. E que ela lhe faça a vida negra, ámen.
- Amen e olé! Por Dios!
In Alexandre Honrado, Os Venturosos, Círculo de Leitores, Braga, 2000,
ISBN 972-42-2392-2.
continua
Cortesia de C. de Leitores/JDACT