«Com os mesmos argumentos, alegaram em abono da pretensão, além de José
Régio, que aqui toma relevância pela figura que já era, o professor adjunto da
Direcção Escolar do Distrito e o chefe dos contínuos do Liceu, também ele
Carrapiço (faleceu há poucos meses, jdact), o mesmo a que o Régio tinha
aludido. Foi o Florindo Madeira, advogado, meu amigo e condiscípulo no liceu que,
ao saber deste trabalho, teve a camaradagem de me enviar o processo da senhora
Carrapiço. Encontrara-o no espólio do cartório do pai.
Os grandes Grupos, Empresas, as Sociedades, nacionais, transnacionais,
Companhias de comércio e de serviços anunciam com felicidade alastrarem-se mais
ou menos espectacularmente por tantas lojas assim e assim, mais isto e mais
aquilo, propaganda por diversos locais do país. Loja Galp, Loja PT, Loja Postal,
Loja Modalfa, Lojas do BPA - potencial de acções, de Bolsas e corretagem.
Lojas, até, do Povo, do Cidadão, do condomínio, com gestores profissionais de
carreira e acolhimento político, sectários, um luxo verificatório que se
levanta a confrontar-se em negócios com o Estado. Por detrás os lobbies.
Foi a História que os criou, quer dizer, o imprevisto dos tempos, à
escala da vertente endinheirada que ela sempre trouxe em si, com mais ou com
menos arrojo dos homens, ao longo do trabalho e de urdiduras, mas ao longo,
também, da invenção, das descobertas da Ciência, das aplicações da Ciência, com
vário risco, competição e riqueza. o actual desígnio dito globalização, dentro
de cujo ímpeto e aceleração se comprime a geografia dos continentes, se
organiza a tolerância das culturas entre si, se aplica a electrónica e o falar
da informática, tudo por força económica dos mercados da riqueza e das pobrezas
que a segunda Guerra Mundial deixou de engenho e perspicácia aos blocos dela
ganhadores e a ‘guerra fria’ temperou, justifica-me o tom irrecuperável da loja
que me educou, provinciano. A História traz proveito à custa de prejuízos. Fica
sempre por detrás uma doutrina. Entrecruzam-se sem clara distinção objectiva os
conceitos da Cultura com preconceitos, esquecimentos renováveis, habituações
colectivas, e do que fica a marcar Civilização produzem-se mentalidades. São as
condutas da utilidade: dos factos, dos tempos, do movimento. A História as vai
tragando, a História as faz e desfaz, não se pode ir contra ela, pelo menos eu
não vou. Fui mau aluno de Historia, ainda sou, tenho dela mais sentimento, que
é saber do circunscrito, só se vê o que está próximo, do que a verdade
distinta, já não digo a do passado, mas da que virá no futuro. A História, por
substância, é dinâmica, inovadora, imprevisível, fugar, perturbadora das almas
conservadoras.
Quem há que, por exemplo, depois dos ajustes sociais e laborais sob que
se expandiu e acabou por se acomodar, possa negar o progresso sucessório da
Revolução Industrial? Ou da Renascença. Ou dos Descobrimentos portugueses. O
sentido mais concreto da aplicação das ideias vem de Aristóteles, que as concluiu
serem activas, operativas e úteis, como útil foi para elas a experiência do
real. Quem se lembra do Defoe?, o que escreveu Robinson Crusoe, fantasia para a compleição do retorno. Não me
admira que no século XXI proliferem piercings
e tatuagens. Isaac Newton, passados que já são três séculos, permitiu-nos
termos espaço confiante para os satélites, cosmonaves, telemóveis. Passámos à
electrónica com que todos os dias fruímos os aparelhos dela, já se brinca em
qualquer lado a emitir mensagens, com telemóveis, um animismo mecânico de
excesso infantilizante, supérfluo com rendimento, pelo que são instaladas as
lojas TMN. Nem os sábios viram um electrão! Quanto mais nós, gente vulgar
incapaz de meditar no mistério da energia, a sublime matéria. De cada vez que
os efeitos úteis se desfrutam com rotina, as coisas se desenvolvem e ao mesmo
tempo se perdem na indiferença, já não tanto para com elas, muito mais para com
a essência que as sustém ou justifica. Será talvez por isso que a Poesia quase
não é procurada nas livrarias. Será talvez por isso que há menos padres e há
mais seitas e mais astrólogos. Será talvez por isso (vulgaridade?) (habituação
ou semântica?) que os supermercados passaram a dizer-se Lojas, alguns chamam-se
Foruns». In Garcia de Castro, Loja, Contra-loja e Armazém, Tribuna Livre,
Edições Colibri, 2011, ISBN 978-989-689-162-6.
Cortesia de E. Colibri/JDACT