sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Obra poética de Ruy Belo. Aquele grande rio Eufrades. «A morte é a grande palavra desse homem não há outra que o diga a ele próprio. É terrível ter o destino da onda anónima morta na praia»

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Para a Dedicação de um Homem
Terrível é o homem em que o senhor
desmaiou o olhar furtivo de searas
ou reclinou a cabeça,
ou aquele disposto a virar decisivamente a esquina.
Não há conspiração de folhas que recolha
a sua despedida. Nem ombro para o seu ombro
quando caminha pela tarde acima.
A morte é a grande palavra desse homem
não há outra que o diga a ele próprio.
É terrível ter o destino
da onda anónima morta na praia.

A Multiplicação do Cedro
O senhor deus é espectador desse homem.
Encheu-lhe o regaço de dias e soprou-lhe
nos olhos o tempo suave das árvores.
Deu-lhe e tirou-lhe uma por uma
cada uma das quatro estações.
A Primavera veio e ele árvore singular
à beira do tempo plantada
vestiu-se de palavras.
E foi a folha verde que deus passou
pela terra desolada e ressequida.
Quando as palavras o deixaram de cobrir,
ficaram-lhe dois dos olhos por onde
o senhor olha finitamente a sua obra.
Até que as chuvas lhe molharam os olhos
e deles saíram rios que foram desaguar
ao grande mar do princípio.

Poema quase Apostólico
Está sereno o poeta.
Desprende-se-lhe dos ombros e cai
depois em pregas por ele abaixo a manhã.
Não pertencem ao dia os gestos que ele tem
não morrerão na noite seus assombrosos passos
dizem que ele volta a pôr em movimento a roda
de crianças de atitudes desmedidas
que o vento varreu e parque algum queria.
E abre os braços para deixar cair na cidade
um ano favorável ao senhor
e põe o rosto do senhor por trás das suas palavras.
Elas decerto o hão-de dar a quem as demandar.

Homem para Deus
Ele vai só ele não tem ninguém
onde morrer um pouco toda a morte que o espera
se é ele o portador do grande coração
e sabe abrir o seio como a terra,
temei não partam dele as grandes negações.
Que há de comum entre ele e quem na juventude foi
que mão estendem eles um ao outro
por sobre tanta morte que nos dias veio?
É no seu coração que todo o homem ri e sofre,
é lá que as estações recolhem findo o fogo
onde aquecer as mãos durante a tentação
é lá que no seu tempo tudo nasce ou morre.
Não leva mais de seu que esse pequeno orgulho
de saber que decerto qualquer coisa acabará
quando partir um dia para não voltar
e que então finalmente uma atitude sua há-de implicar,
embora diminuta uma qualquer consequência.
O que deus terá visto nele para morrer por ele?
Oh que responsabilidade a sua
que não dê como a árvore sobre a vida simples sombra
que faça mais do que crescer e ir perdendo vestes.

Oh que difícil não é criar um homem para deus!

Poemas de Ruy Belo, in ‘Obra Poética’

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