«O cronista Damião de
Góis confirma na sua obra De Bello Cambaico Ultima Comment, de Lovaina e
de 1548, “… que toda a Europa falou da batalha de Diu e das vitórias dos
portugueses sobre um dos mais poderodos reis do Oriente ...”. No
estrangeiro foram impressos mais relatos sobre a heroicidade de Castro, em Diu,
nomeadamente, o Don Giovanni di Castro, de Roma e de 1549, e as Nouvelles
des Indes, de Paris, estampada no ano seguinte. As próprias Lendas da
Índia, de Gaspar Correia, que tão bem conheceu o vice-rei e que foram
terminadas antes de 1564, aludem fartamente aos sucessos de Diu. Mais alargado
é o âmbito de outros textos, como a crónica escrita pelo neto de João de
Castro, Fernando de Castro, filho natural de Álvaro de Castro, intitulada Crónica
do Vice-Rei D. João de Castro, no entanto, nem sempre objectiva, pois é
claramente um panegírico, para enobrecimento da sua linhagem. É curioso que
João de Castro, ao que tudo indica desapegado aos bens materiais, não deixou de
organizar um sumptuoso cortejo triunfal, quando da sua entrada em Goa, após os
sucessos de Diu. Mais do que a vaidade pessoal, julgamos estar em presença de
um acto de Estado, uma homenagem que era devida a quem representava naquele
momento o rei de Portugal. Lido nos Clássicos, conhecedor nomeadamente de
Vitrúvio, tudo foi organizado como o arquitecto romano de Augusto deixou
escrito no Livro IX do seu De Architectura; ao longo das ruas estavam
estátuas e muitas pinturas alusivas ao cerco de Diu, entrou sob um riquíssimo
pálio, e mandou fazer expressamente um arco triunfal, como os de Roma que celebraram
Tito ou outro grande general vitorioso.
Mas houve formas
distintas de evocar os feitos heróicos do vice-rei, nem sempre com a precisão
do registo histórico é certo, formas plásticas, de entre as quais se destacam a
série de tapeçarias que lhe foi dedicada, da qual se guardam dez exemplares no
Museu de História da Arte de Viena de Áustria, e de que conhecemos outra que é
de um particular português.
Ainda dentro do campo
das Artes Plásticas, as façanhas de João de Castro inspiraram outros autores,
como o que pintou as belíssimas iluminuras da obra de Jerónimo Corte-Real,
intitulado Sucesso do Segundo Cerco de Diu, estando dom Ioham de Mascarenhas
por Capitam e Gvovernador da Fortaleza, Anno de 1546, cujo original está
guardado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
NOTA: As iluminuras do
Códice Cadaval 31 foram editadas recentemente, numa edição de luxo e de grande
fidelidade aos originais: .Jerónimo Corte-Real, Sucesso do Segundo Cerco de
Diu, edição de Luís de Albuquerque, Lisboa, 1991.
O vice-rei João de
Castro aparece referenciado como exemplo de elevação e relevo moral, duro para
consigo próprio, vivendo asceticamente, a par dos seus soldados, mas exigindo sempre
o tratamento e as galas e honras devidas quando em representação de el-rei.
Não podemos esquecer uma
escultura de madeira representando o vice-rei, que um dia encontrámos no
estrangeiro, e que conseguimos que um amigo e coleccionador comprasse e
trouxesse para Portugal, e serviu para os cartazes da exposição que teve lugar
no edifício da Alfândega do Porto, em 1998.
Um dos episódios mais
conhecidos sua curta vida de João de Castro, foi o facto de ter cortado as próprias
barbas e de as ter enviado, num cofre, à Câmara da cidade de Goa, para que lhe
fosse emprestado dinheiro, para a reconstrução das muralhas de Diu. Não
esqueçamos que as barbas longas eram, ao tempo, um sinal exterior de
importância, dignidade e alto estatuto. Depois da dura batalha, em que tanto se
empenhou pessoalmente, e na qual morreu o seu filho Fernando, e tendo ficado os
muros da cidade completamente destruídos, mandou o arquitecto Francisco Pires edificar
novos baluartes, fossos e cortinas, ao modo que se fizera em Ceuta, que o mesmo
é dizer, abaluartados e segundo os processos introduzidos nessa praça
magrebina, bem como nas vizinhas de Mazagão e Tânger, por Benedetto de Ravena.
Como fosse necessário dinheiro para pagar aos trabalhadores e para comprar
mantimentos, decidiu pedir um empréstimo de 20.000 pardaus à cidade de Goa, mas
como não tinha nada de valioso para dar como penhor, mandou desenterrar os
ossos do seu filho Fernando, que como dissemos acima morrera na defesa de Diu,
quando foi em seu socorro. No entanto, estando ainda os seus ossos por gastar,
optou por cortar publicamente as barbas, metê-las numa caixa de marfim branco e
enviá-las às autoridades goesas, por mão de Diogo Rodrigues de Azevedo. Lembremos esta passagem
da crónica da autoria do seu neto, com as palavras postas na boca
do próprio vice-rei:
“…Eu mandei
desenterrar D. Fernando, meu filho, que os mouros mataram nesta fortaleza
pelejando por serviço de Deus e de el-rei nosso senhor, para vos mandar
empenhar os seus ossos, mas acharam-no de tal maneira que não foi lícito ainda
agora de o tirar à terra, pelo que não me ficou outropenhor salvo as minhas próprias
barbas que vos aqui mando por Diogo Rodrigues de Azevedo, porque, como já
deveis ter sabido, eu não possuo ouro, nem prata, nem móvel, nem cousa alguma
de raíz, por onde vos possa segurar vossas fazendas, somente uma verdade seca e
breve de que me Nosso Senhor deu…”.
In Pedro Dias, Uma Tapeçaria Inédita da Série dos feitos de D. João de
Castro, A importação de esculturas de Itália nos séculos XV e XVI, Coimbra,
1987.
continua
Cortesia de Wikipedia/JDACT
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