domingo, 11 de novembro de 2012

A Igreja Sueva de São Martinho de Dume. Arquitectura Cristã Antiga de Braga e na Antiguidade Tardia do Noroeste de Portugal. Luís Fontes. «Capital provincial romana e sede episcopal cristã desde finais do século III, Bracara Augusta foi, nos séculos V e VI, capital do Reino Suevo, afirmando-se como um lugar central do cristianismo do Noroeste Peninsular»

Fragmento de cancel, em mármore
jdact e cortesia de uaum/lfontes

«Uma imposta granítica, decorada com motivo em espinha e roseta, poderá ser de cronologia mais avançada, eventualmente associável à reconstrução alto-medieval da igreja de Dume.
Aos séculos V-VII deve reportar-se igualmente a tampa de sepultura com restos de mosaico recolhida no adro da igreja, onde integrava um conjunto de três sepulturas alto-medievais, nas quais foi reutilizada como cabeceira. Depois da edificação da basílica e da reconversão da uilla em mosteiro, no século VI, o sítio não parece ter conhecido grandes transformações, testemunhando-se arqueo-logicamente a sua ocupação até ao século IX. Em 866 documenta-se o abandono do mosteiro por parte do seu abade Sabarico, que se refugia em Mondonhedo, no litoral Norte galego. Em 911, Ordonho II da Galiza manda delimitar novamente o termo de Dume e confirma a anterior doação ao bispo de Mondonhedo, feita em 877 por Afonso III das Astúrias. Terá sido no quadro desta manutenção do interesse por Dume por parte da corte asturiana, que se terá reedificado a primitiva basílica sueva de Dume, erguendo-se então uma nova igreja paroquial.

Fragmento de inscrição, em calcário

O contexto bracarense: topografia e arquitectura cristãs antigas
Capital provincial romana e sede episcopal cristã desde finais do século III, Bracara Augusta foi, nos séculos V e VI, capital do Reino Suevo, afirmando-se como um lugar central do cristianismo do Noroeste Peninsular, a Sedis Bracarensis. Após a anexação pelo Reino Visigodo, em 585, Bracara continuou a beneficiar da aliança estabelecida entre a Coroa e a Igreja, mantendo o estatuto de capital provincial civil e sede metropolitana eclesiástica.
Tal como se verificou noutros núcleos urbanos do mundo romano tardio, Bracara Augusta não terá deixado de reflectir a nova ‘ordem’ veiculada pela emergência e fixação do cristianismo, pois o poder político, administrativo e económico nunca se dissociou do poder religioso, sendo esse vínculo reforçado quanto o cristianismo foi decretado, em 380, religião oficial do Estado.
No caso da cidade, para além de se verificar que toda a área intra-muros permane­ceu ocupada até finais do século VII, constata-se que os grandes edifícios públicos romanos conheceram uma desactivação progressiva, adaptando-se alguns deles a novas funcionalidades, como sugere a implantação da catedral bracarense numa zona onde se admite que poderá ter existido um mercado romano.

Capitéis

Por sua vez, nos suburbia, surgem novos pólos de referência cristãos, com a cons­trução de basílicas cemiteriais, como parecem confirmar os vestígios de necrópoles em São Victor e em São Vicente, ambas junto a eixos viários importantes que liga­vam Braga ao interior galego. É também nos arredores de Bracara que se constroem dois dos mais importantes mosteiros do Noroeste Peninsular – o de Dume, no século VI, por iniciativa de São Martinho, e o de São Salvador de Montélios, no século VII, por iniciativa de São Frutuoso, ambos bispos de Braga e Dume.
Ainda no século V, construiu-se no monte da Falperra ou de Santa Marta das Cortiças, antigo povoado fortificado sobranceiro à cidade de Braga, um amplo edifício áulico, com templo paleocristão anexo. Muito semelhante às instalações palatinas de Recópolis, cidade do centro peninsular de fundação visigótica, a Fal­perra poderá corresponder ao assentamento de um chefe ou rei suevo.Do ponto de vista da arquitectura e da decoração arquitectónica, os restos conhecidos dos templos bracarenses deste período revelam-nos, por um lado, uma surpreendente actualização de modelos construtivos, detectando-se influências oriundas da zona adriática e, por outro lado, a perduração de padrões arquitectónicos romanos, com evoluções que acolhem as tradições decorativas locais, assimilando a simbólica do cristianismo.

Tampa sepulcral com restos de mosaico

In Luís Fontes, A Igreja Sueva de São Martinho de Dume, Arquitectura Cristã Antiga de Braga e na Antiguidade Tardia do Noroeste de Portugal, Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, Revista de História da Arte, 2008.

Cortesia da UAUAveiro/JDACT