sexta-feira, 16 de novembro de 2012

De Tempos a Tempos. Antologia pessoal. Antologia crítica. Júlio Conrado. «Seja como for, com este romance, mesmo atendendo a certas fragilidades na construção da intriga, Júlio Conrado mostra que sabe desenhar sob as linhas das suas frases a sociedade portuguesa das duas últimas décadas…»

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O Portugal contemporâneo de Júlio Conrado
«Este retrato desenganado parece no livro de Conrado menos uma enfermidade do Portugal contemporâneo, daí a presença das imagens mediáticas do 11 de Setembro de 2001 na trama do romance, que um sintoma do espectáculo vazio da contemporaneidade. Este, tocando todas as sociedades globalizadas do Ocidente, organiza-se por isso em Júlio Conrado numa pirâmide que vai buscar a sua imagem maior, aquela que lhe confere significado simbólico universal, ao tráfico de droga. Na base estão os pequenos passadores, filhos ao deus-dará de famílias desfeitas, com os vitupérios sonoros da rua, como no seu topo estão os comendadores e os políticos, agraciados pelo destino ou pela moral, sentados em confortáveis e discretas poltronas, mas cujo negócio principal é também o comércio clandestino do oiro branco em pó.
A certa altura do romance convoca-se a frase de um escritor francês do século passado que no rescaldo dos primeiros anos de uma sociedade que tinha no consumo o seu tipo apontou a dormência social que aí despontava como o resultado dos ‘tempos cobardes da democracia’. É este o pesado letreiro de ferro que Júlio Conrado coloca por cima da sociedade portuguesa actual, ilustrando-o com a crueza das suas histórias e o sarcasmo dos seus motivos.
Seja como for, com este romance, mesmo atendendo a certas fragilidades na construção da intriga, Júlio Conrado mostra que sabe desenhar sob as linhas das suas frases a sociedade portuguesa das duas últimas décadas, apresentando-se assim a sua literatura como um contributo adiantado e nada desprezível para o conhecimento perspectivado ou aproximativo dessa realidade, sendo esse decerto o seu melhor galardão, já que não pode haver regeneração dos vícios sem entranhada consciência deles.
Nesse sentido, Conrado é um escritor realista mas é também um prosador moralista, mais austero que sarcástico, que pretende através da acusadora pintura de realidades sombrias aperfeiçoar a sociedade por um acréscimo de beleza moral.
Talvez por isso Urbano Tavares Rodrigues, logo em 1969, tenha dito a propósito da arte de Conrado estas palavras que ainda hoje, em última visão, se mostram certeiras na compreensão da sua intenção, ‘o seu propósito não é contar a vida, é modificá-la’». In António Cândido Franco, Querido Traficante, O Portugal contemporâneo de Júlio Conrado, Enfoques, Jornal de Letras, Maio de 2007.

In Júlio Conrado, De Tempos a Tempos, Antologia pessoa, Enfoques, Antologia crítica, Roma Editora, 2008, ISBN 978-989-8063-32-8.

Cortesia de Roma E./JDACT