«Sentei-me numa pedrinha, Perto das rochas, a atirar seixos para a
superfície hoje quieta do mar. Não sei se há quatrocentos e tal anos ficou assim
alguém, a ver partir as caravelas portuguesas que levavam a bordo um punhado de
aventureiros a querer inventar o Mundo, a desejar descobrir um caminho que por
mar conduzisse a essa terra cheia de encantos e riquezas, como todos supunham
ser a Índia.
Acho que, se lá estava realmente alguém a ver os barcos afastarem-se,
atirando seixos sobre a superfície quieta das águas, havia de ser um portuguesinho,
aborrecido por não ir ele também entre os maiores heróis do mundo do seu tempo.
Vai o meu sonho a vogar,
empurra a brisa do céu.
Marinheiro faz-se ao mar
fica em terra um amor seu.
Camões deu-lhes a imortalidade, a esses marinheiros atrevidos. E da forma
mais ingrata, pois resolveu dedicar-lhes uma longa poesia, outra aventura. De
que servem as palavras num mundo que só dá valor aos actos?
Escreveu Camões em forma de poema uma história verdadeira e agora que
estamos numa época em que as histórias verdadeiras saltam todos os dias para as
televisões e, assim, para casa das pessoas, acreditamos que Camões se safaria
melhor se vivesse entre nós e escrevesse coisas tolas, prosas sem valor,
vulgaridades... Em vida sua foi desconsiderado, passou dificuldades, morreu na
miséria.
Pensando bem: hoje, se se metesse a escrever poemas, mesmo os mais
belos, muito tinha também de penar para fazer-se ouvir e reconhecer. Mudam-se
os tempos mudam-se as vontades neste mundo composto de mudanças?
Enfim. O que nos traz aqui é mesmo outra história. A História de
Portugal, tal como Camões a contou em Os Lusíadas, um longo poema que até
à actualidade tem feito as delícias de muitos leitores e ouvidores.
Uma obra-prima, bem podes dizê-lo, que continua a agradar.
Quem te disse o poeta
que a poesia morreu?
Que passou como o cometa
na luz acesa do céu?
Tudo, nesse poema, começa com a famosa f rase: as armas e os barões assinalados...
O que é que ele queria dizer? Francamente, o que eu dei voltas à cabeça quando
li aquilo pela primeira vez! Acredita: fui perguntar à minha avó o significado!
Ela, felizmente, sabia. E eu lá fiz o teste de Língua Portuguesa que exigia a
minha sabedoria e agilidade.
Afinal, o que ele queria era dizer que aqui, na Península Ibérica, no
fim da Europa, de peito encostado ao mar, vivia um povo de marinheiros
cheio de vontade de ir mais longe, para ver se em outras terras e paragens
podia descobrir glória, riqueza e fama. A vontade era bem definida, aliás:
encontrar um caminho marítimo para a Índia, de modo a chegar mais depressa
aquele grande território, onde o negócio prometia lucros e os atractivos eram inúmeros.
A Índia, todavia, parecia quase inalcançável! Tanto mar, tanta distância,
tanto perigo.
Quem lá vem traz escuridão
ventre de nuvem de chuva;
monstro morto, podridão,
o mistério em cada curva.
Quem teria coragem de fazer-se ao largo? Poucos. E em poucos barcos.
Três naus e um navio velho, com mantimentos. O comando ficava a cargo de um
homem, Vasco da Gama, um capitão de aventuras marítimas tido como muito
corajoso. Vasco da Gama nasceu em Sines, em 1468, morreu em Cochim, na Índia,
em 1524. O rei Manuel I encarregou-o do comando da expedição que iria descobrir
o tal caminho marítimo e ele lá largou de Portugal em 1497, um ano depois, o
italiano Cristóvão Colombo chegava à América e chegou 14 meses depois às Costas
de Moçambique.
Vasco da Gama conseguiu chegar à Índia, voltou e tornou a ir, trouxe especiarias
e boas notícias, serviu o rei e seu filho, o rei João III, rei conhecido pelo
cognome de o ‘Piedoso’ e que foi avô de
Sebastião, o tal a quem Camões leria o seu poema». In Alexandre Honrado, Eu curto…
Eu gosto dos Lusíadas, Negócio de Ócio, Lisboa, 2002, ISBN 972-98888-0-9.
Cortesia de N. de Ócio/JDACT