sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Christovam Ayres. Engenheiros Militares Portugueses no Terramoto de 1755. Manuel da Maya. «Teria o grande marquês de Pombal, na época em que delineava o novo plano de Lisboa, notícia do seguinte importante conselho do ilustre filósofo, que as artérias das grandes cidades ameaçadas não se devem construir paralelas às vias fluviais…»


Manuel da Maya
(1672-1768)
Lisboa
jdact

«Interessante no estudo relativo ao século XVIII é ver, embora sumariamente, o papel que tiveram os nossos engenheiros militares na restauração da cidade de Lisboa, após o terramoto de 1755, sobretudo o engenheiro-mor Manuel da Maya e os que mais directamente foram incumbidos dos monumentais trabalhos, que honram a engenharia portuguesa.
Na revista da Sociedade de Instrucção do Porto, volume II. 1882, pág. 271, a eminente escritora Carolina Michaëlis de Vasconcelos, tratando da impressão que na Alemanha produzira esse memorável terramoto, refere-se a três estudos que, logo em seguida, apresentou o grande filósofo Kant, e que se ligam com outra obra mais considerável por ele publicada no mesmo ano: Allgemeine Naturgeshichte und Theorie des Himmels. Desses três estudos, o segundo é o que mais nos interessa, porque descreve o terramoto, trata das suas causas físicas, e sobre ele faz considerações científicas de grande alcance, e a ilustre escritora, dando notícia do seu conteúdo, observa:
  • ‘Lendo este estudo de Kant acudiu-nos à memória aquela carta, cheia de bom senso, que Gil Vicente mandou a de Santarém a el-rei João III. Estando Sua Alteza em Palmela, sobre o tremor de terra que foi a 26 de Janeiro de 1531. O filósofo alemão leva a vantagem ao poeta nacional quanto a saber o ponto de vista crítico, entre um e outro há dois séculos de estudos científicos, mas o nosso Gil Vicente não lhe fica atrás na inteireza do juízo e verdade do sentimento’.
É provável que as numerosas relações contemporâneas sobre o terramoto, que Kant teve à vista, não fossem todas igualmente fiéis, contudo, o filósofo, armado com uma ciência superior, positiva, e com um critério elevado, soube distinguir claramente entre os casos impossíveis, inventados, e as verdades prováveis, tomando estas para base dos seus estudos. Teria o grande marquês de Pombal, na época em que delineava o novo plano de Lisboa, notícia do seguinte importante conselho do ilustre filósofo, que as artérias das grandes cidades ameaçadas não se devem construir paralelas às vias fluviais, isto é, enquanto a Lisboa, do Ocidente para o Oriente, porque o movimento do tremor segue essa direcção e prolonga-se pelo curso dos rios. A ciência já então tinha feito esta e outras descobertas.
A estas observações da ilustre escritora acrescentaremos que, se realmente se obedeceu e esse princípio científico, não se pode regatear ao grande Pombal a glória de mais essa forma superior porque a sua obra foi executada, mas de justiça é igualmente reconhecer que os engenheiros que tal obra executaram conheceram e souberam aplicar esse importante preceito.
Os engenheiros encarregados da reedificação de Lisboa foram, pela sua ordem, Eugénio dos Santos, Cardos Mardel, Reinaldo Manoel e Manoel Caetano. De todos estes dá notícia Jacome Ratton, um contemporâneo, nas suas Recordações, onde se encontram interessantes pormenores relativos à cidade de Lisboa depois do terramoto (6)». In Christovam Ayres, Engenheiros Militares Portugueses no Terramoto de 1755, Manuel da Maya, Lisboa, Imprensa Nacional, 1910, Biblioteca Nacional de Portugal, 4322, nº 45148.


Cortesia da BNP/JDACT