Combate de Flor da Rosa visto pela historiografia liberal, Luz Soriano
«Reduzidos a este estado, tiveram de retirar pelo modo que
lhes foi possível, até que ganharam a pequena coluna das quatro companhias de
granadeiros, à testa das quais se achava o coronel José Carcome Lobo, e o meu
imediato, o tenente-coronel de cavalaria, o conde de Leutaud. Efectuada que foi
esta junção retiraram-se todos com muito trabalho por causa da viva perseguição
que lhes fazia a cavalaria inimiga, que lhes ia sempre matando gente, enfraquecendo-se
também os nossos pelas muitas deserções que durante a retirada iam tendo lugar.
Aproveitando-se dos sítios pedregosos, que encontravam, assim andaram perto de
légua e meia, até chegarem à Aldeia da Mata, onde entraram num pequeno bosque,
que a precedia, guarnecido por um muro de pedra solta de que fizeram parapeito.
Durante esta retirada perdeu-se a artilharia, já quase ao pé do serrado, não a
podendo já puxar as bestas que o conduziam, por serem péssimas e acharem-se faltas
de forças. Por espaço de duas horas se fez ali fogo contra o inimigo; mas
desenvolvendo estes quinze esquadrões de cavalaria pelos flancos portugueses, e
puxando sobre a sua frente três batalhões de infantaria, fizeram-lhes intimar
por uma trombeta que imediatamente se rendessem, sob pena de serem passados à
espada, quando assim o não o fizessem. Faltos já de munições, e atacados por
todos os lados, vendo até já na sua frente em atitude ameaçadora artilharia
inimiga, os nossos renderam-se finalmente à promessa de serem bem tratados,
garantindo-se-lhes as bagagens e armas, assim como os cavalos aos oficiais que
os tivessem. O número dos que assim se renderam, e em que também entrava o seu comandante,
Carcome Lobo, andava por 400 homens, à excepção dos poucos que fugiram ou se
extraviaram, e dos mortos, que dos nossos foram 12, reputando-se igual a este o
número da parte dos espanhóis, apesar das notícias exageradas que erradamente
se espalharam a respeito destes últimos, que não foram mais, nem talvez tantos.
Concluído o conflito, e concluída a capitulação, foi a nossa
tropa conduzida a Portalegre, onde a oficialidade foi bem tratada e atendida
dos generais, passando dali por Arronches e Santa Eulália para Badajoz, onde o
príncipe da Paz lhes deu logo a liberdade de voltarem para Portugal, prometendo
não pegarem mais em armas contra a Espanha, nem seus aliados na presente
guerra. Da Aldeia da Mata voltaram os castelhanos soberbos e arrogantes, não só
pela vitória alcançada, mas por também ter sido tão completa e acabada, que no meio
dos seus esquadrões levavam os portugueses prisioneiros, e com os quais, à
maneira de triunfo, entraram em Flor da Rosa, cujos moradores, bem como os do
Crato, trataram mal, como já o tinham feito aos de Arronches. Tendo roubado e
destruído campos, bem como as povoações, apresaram todo o gado, que encontraram
nos seus distritos, que era muito, por não haver só o que pertencia aos seus
moradores, mas até mesmo pelos rebanhos dos lavradores das terras vizinhas das
fronteiras, que para ali os tinham conduzido, por serem lugares situados mais no
coração da província. Apresaram e levaram também para Portalegre os mantimentos
e munições que encontraram, desarmaram ambos os povos, e conduziram tudo ou
para Badajoz, ou para outros lugares onde lhes convinha, para abastecerem e
fornecerem as suas tropas. A nossa cavalaria para não perder a posse em que já
estava de fugir e aterrar o exército, foi o primeiro correio, que no meio da
sua precipitada carreira levou aos campos e vila do Gavião a triste notícia,
não só do encontro da nossa tropa com a inimiga, mas até a da total derrota dos
seus camaradas, exagerando o número de mortos, que não viu, e o destroço geral,
que não quis experimentar, batendo-se como devia. O certo é que nesta empresa
deu o coronel Carcome Lobo novas e evidentes provas da sua imperícia militar:
- porque chegando a Flor da Rosa, nenhum cuidado teve em se informar das marchas e situação do inimigo;
- não estabeleceu guardas avançadas, nem vedetas nos lugares convenientes;
- não fez a marcha com a rapidez que convinha, e que na verdade foi mais dilatada do que devia ser, dizendo-se que por culpa dos guias.
Surpreendido pelo inimigo no meio do descanso que dera à sua
tropa, que ainda não tinha comido, e se achava assaz fatigada da marcha que
tinha feito, teve ainda tempo para formar e meter ordem de batalha. Apesar de
reduzido à crítica situação em que se achava, nenhuma participação fez, nem
para o campo de Gavião, nem para a Ponte de Sor, para onde sabia que se tinha
mandado chamar de Abrantes um destacamento bastantemente forte para auxiliar a
sua retirada e a marcha do comboio por aquele lado. Finalmente não conhecendo a
vantagem que lhe oferecia o convento, e a mesma povoação da Flor da Rosa, onde
bem podia fazer-se forte e defender-se o tempo necessário para ser socorrido.
Quanto porém aos efeitos, que o desastre de Flor da Rosa
produziu no exército português, acampado no Gavião, foram exactamente os mesmos
que nele tinha produzido o desastre de Arronches, quando acampado em Portalegre,
porque não só se não tentou ataque algum contra o inimigo, nem se recorreu a
medida tendente a recuperar as munições e mantimentos perdidos, mas até nem se
cuidou em defender a posição ocupada, apesar de forte e vantajosa, não
lembrando mais que fugir novamente da guerra, e evitar quanto possível e cobardemente
a vista dos castelhanos, e por modo tal, que não sendo as serras mais altas e
inacessíveis do país asilo bastantemente forte para se abrigarem os nossos
generais e as suas tropas, foram aqueles e estas buscar além do Tejo o refúgio
que este caudaloso rio lhes oferecia, partindo para Abrantes no dia 6 de Junho,
com muita pressa, e não menos confusão, sendo ali vitimas da fome, enquanto de
Lisboa lhes não foram os necessários socorros». Simão José da Luz Soriano, História
da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal,
Lisboa, Imprensa Nacional, Primeira Época, Tomo III, 1867.
In António Ventura, O
Combate de Flor da Rosa, Conflito Luso-Espanhol de 1801, Edições Colibri, C. M.
do Crato, 1996, ISBN 972-8288-23-9.
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