Timor
«Em todos os conflitos,
e o mundo actual é, infelizmente, fértil neles, as crianças são as principais
vítimas. Em Timor não escaparam a essa terrível regra. Testemunhas dos
crimes mais brutais, elas conservaram nas suas mentes imagens, dificilmente
apagáveis, de cenas do horror e da violência de que os seus pais e parentes
mais próximos foram vítimas. As que escaparam conseguiram sobreviver sem
grandes estragos físicos aparentes. Lembro-me de, em Díli, uma médica da nossa
Missão me ter chamado a atenção para o facto de que as crianças que estava
tratando e que, portanto, tinham sobrevivido, não acusavam desidratação e
outros traumas físicos visíveis.
Aliás, a doçura do povo
timorense e o seu cuidado com os mais pequenos, fez que muitos deles fossem
poupados às carnificinas de que os adultos foram o principal alvo. Mas há que
cuidar, urgentemente, das crianças, não só física como psicologicamente. Dar-lhes
os cuidados, a atenção e o afecto de que necessitam para viver e crescer. Dar-lhes
abrigo, reconstruindo as casas para as receberem, formando os adultos,
profissionais ou voluntários, para as saberem cuidar devidamente. Levantar as
escolas, as paredes que caíram, os tectos que desabaram e que têm de voltar a
ser espaços de alegria, formação e educação, convívio e conforto, são tarefas
urgentes e indispensáveis. Estamos, a Cruz
Vermelha, a Fundação Pro Dignitate
e a União das Misericórdias, também
angariando livros e toda a espécie de material escolar para que elas possam
frequentar as escolas e reganhar o tempo perdido com a guerra fratricida que
feriu, e ainda fere, ai de nós! - aquele martirizado povo.
No âmbito da Cruz
Vermelha pensei, depois de uma conversa com o padre Vítor Melícias, que talvez
pudéssemos ajudar os timorenses a construírem e organizarem uma Sociedade
Nacional da Cruz Vermelha para poderem, por si sós, responder prontamente aos
pedidos de ajuda que chegam e chegarão ainda de muitos pontos desse território.
Mas entretanto, e
enquanto não nos for confirmada a aceitação, por parte dos timorenses, dessa
ideia, já mandámos reconstruir uma casa que será destinada a um lar para
crianças que tenham perdido os seus pais. A nossa grande preocupação tem sido,
e continuará a ser, a de desencadear acções de socorro às crianças,
apresentando projectos e aceitando realizar projectos que nos sejam propostos
pelas autoridades governamentais e pela Igreja timorenses e que tenham como
objectivo a protecção e reintegração da criança na sociedade.Dizia Fernando
Pessoa: ‘mas o melhor do mundo
são as crianças’, é a profunda consciência dessa afirmação que nos move.
Elas são o melhor do mundo e a sua sobrevivência, em paz e em dignidade, é
condição também de sobrevivência desse mundo. Cuidar das crianças timorenses, livrá-las
da morte, da fome, da doença, da ignorância, respeitar e fazer respeitar, em
suma, os seus direitos inalienáveis, é lançar os alicerces para um Timor
de paz, de tolerância e de fraternidade, um Timor onde o sol nasça e
envolva, no seu calor e luz, todo o seu tão sacrificado povo e sobretudo as
suas crianças». In Maria de Jesus Barroso.
Timor
«Quando em Setembro de
1999, após 25 anos de ocupação e terror, os timorenses foram consultados,
espantaram o Mundo com a sua coragem e civismo e irritaram profundamente os
militares indonésios ao recusarem, claramente, a anexação ao país vizinho. No
referendo foi-lhes perguntado se aceitavam a proposta de uma autonomia alargada
debaixo da soberania indonésia. Caso recusassem a proposta, a administração
indonésia retirar-se-ia do território. No acordo previamente estabelecido entre
Portugal e a Indonésia sob os auspícios das Nações Unidas ficou também
estabelecido que caso a proposta indonésia fosse derrotada, Timor
regressaria à situação que tinha antes de
1975, ou seja, seria reconhecida a soberania portuguesa no território. Dizia
também que neste caso ficaria aberto o caminho para a futura independência do
território. No entanto, nem os dirigentes portugueses nem os timorenses,
aceites por consenso pelo povo mas não legitimados por alguma eleição, têm o
direito de decidir o futuro do povo timorense sem o consultar, e neste momento
a única consulta feita foi o referendo.
Portanto, a situação
jurídica de Timor continua a ser a que era em 1975 apesar de o governo de
Lisboa ter entregado a resolução do problema timorense, e agora a administração
do território, às Nações Unidas». (Continua).
In
Duarte de Bragança, duque.
In Maria de Jesus Barroso e Duarte de Bragança, Timor Hoje, Povos e
Culturas, Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, U. C.
Portuguesa, nº 7, 2001, patrocínio de Comissariado para o apoio à Transição de
Timor-Leste.
Cortesia da U. Católica P./JDACT