sábado, 24 de novembro de 2012

Povos e Culturas. As Crianças de Timor como Testemunho da Guerra e da Destruição. Maria de Jesus Barroso e Duarte de Bragança. «No acordo estabelecido entre Portugal e a Indonésia sob os auspícios das Nações Unidas ficou estabelecido que caso a proposta indonésia fosse derrotada, Timor regressaria à situação que tinha antes de 1975, ‘seria reconhecida a soberania portuguesa no território’»


jdact e cortesia de wikipedia

Timor
«Em todos os conflitos, e o mundo actual é, infelizmente, fértil neles, as crianças são as principais vítimas. Em Timor não escaparam a essa terrível regra. Testemunhas dos crimes mais brutais, elas conservaram nas suas mentes imagens, dificilmente apagáveis, de cenas do horror e da violência de que os seus pais e parentes mais próximos foram vítimas. As que escaparam conseguiram sobreviver sem grandes estragos físicos aparentes. Lembro-me de, em Díli, uma médica da nossa Missão me ter chamado a atenção para o facto de que as crianças que estava tratando e que, portanto, tinham sobrevivido, não acusavam desidratação e outros traumas físicos visíveis.
Aliás, a doçura do povo timorense e o seu cuidado com os mais pequenos, fez que muitos deles fossem poupados às carnificinas de que os adultos foram o principal alvo. Mas há que cuidar, urgentemente, das crianças, não só física como psicologicamente. Dar-lhes os cuidados, a atenção e o afecto de que necessitam para viver e crescer. Dar-lhes abrigo, reconstruindo as casas para as receberem, formando os adultos, profissionais ou voluntários, para as saberem cuidar devidamente. Levantar as escolas, as paredes que caíram, os tectos que desabaram e que têm de voltar a ser espaços de alegria, formação e educação, convívio e conforto, são tarefas urgentes e indispensáveis. Estamos, a Cruz Vermelha, a Fundação Pro Dignitate e a União das Misericórdias, também angariando livros e toda a espécie de material escolar para que elas possam frequentar as escolas e reganhar o tempo perdido com a guerra fratricida que feriu, e ainda fere, ai de nós! - aquele martirizado povo.
No âmbito da Cruz Vermelha pensei, depois de uma conversa com o padre Vítor Melícias, que talvez pudéssemos ajudar os timorenses a construírem e organizarem uma Sociedade Nacional da Cruz Vermelha para poderem, por si sós, responder prontamente aos pedidos de ajuda que chegam e chegarão ainda de muitos pontos desse território.
Mas entretanto, e enquanto não nos for confirmada a aceitação, por parte dos timorenses, dessa ideia, já mandámos reconstruir uma casa que será destinada a um lar para crianças que tenham perdido os seus pais. A nossa grande preocupação tem sido, e continuará a ser, a de desencadear acções de socorro às crianças, apresentando projectos e aceitando realizar projectos que nos sejam propostos pelas autoridades governamentais e pela Igreja timorenses e que tenham como objectivo a protecção e reintegração da criança na sociedade.Dizia Fernando Pessoa: ‘mas o melhor do mundo são as crianças’, é a profunda consciência dessa afirmação que nos move. Elas são o melhor do mundo e a sua sobrevivência, em paz e em dignidade, é condição também de sobrevivência desse mundo. Cuidar das crianças timorenses, livrá-las da morte, da fome, da doença, da ignorância, respeitar e fazer respeitar, em suma, os seus direitos inalienáveis, é lançar os alicerces para um Timor de paz, de tolerância e de fraternidade, um Timor onde o sol nasça e envolva, no seu calor e luz, todo o seu tão sacrificado povo e sobretudo as suas crianças». In Maria de Jesus Barroso.

Timor
«Quando em Setembro de 1999, após 25 anos de ocupação e terror, os timorenses foram consultados, espantaram o Mundo com a sua coragem e civismo e irritaram profundamente os militares indonésios ao recusarem, claramente, a anexação ao país vizinho. No referendo foi-lhes perguntado se aceitavam a proposta de uma autonomia alargada debaixo da soberania indonésia. Caso recusassem a proposta, a administração indonésia retirar-se-ia do território. No acordo previamente estabelecido entre Portugal e a Indonésia sob os auspícios das Nações Unidas ficou também estabelecido que caso a proposta indonésia fosse derrotada, Timor regressaria à situação que tinha antes de 1975, ou seja, seria reconhecida a soberania portuguesa no território. Dizia também que neste caso ficaria aberto o caminho para a futura independência do território. No entanto, nem os dirigentes portugueses nem os timorenses, aceites por consenso pelo povo mas não legitimados por alguma eleição, têm o direito de decidir o futuro do povo timorense sem o consultar, e neste momento a única consulta feita foi o referendo.
Portanto, a situação jurídica de Timor continua a ser a que era em 1975 apesar de o governo de Lisboa ter entregado a resolução do problema timorense, e agora a administração do território, às Nações Unidas». (Continua). In Duarte de Bragança, duque.

In Maria de Jesus Barroso e Duarte de Bragança, Timor Hoje, Povos e Culturas, Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, U. C. Portuguesa, nº 7, 2001, patrocínio de Comissariado para o apoio à Transição de Timor-Leste.

Cortesia da U. Católica P./JDACT