segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A Alma Secreta de Portugal. A Reabilitação Científica do Esoterismo. «Vários discípulos de Gilbert Durand, quer na filosofia, quer na sociologia, estão a propor estas novas metodologias do imaginário para as áreas de ciências humanas onde são especialistas. Esse mundo intermédio entre a matéria e o espírito, entre as emoções e as razões da ratio»


Banco de pedra inspirado no 515 de Dante, Quinta da Regaleira
Na ‘Divina Comédia’, o 515 simboliza o ‘Mensageiro de Deus’. 
No centro do banco evidencia-se a representação de Beatriz, símbolo da ‘Sophia’, um facho, signo da luz e do fogo.
jdact

(continuação)

A Reabilitação Científica do Esoterismo
Entrevista com José Manuel Anes

Os Quatro Elementos Constitutivos do Esoterismo
«José: Isso corresponde também ao que Gilbert Durand denomina, com muita razão, o politeísmo da alma. Já que estamos afalar nesses dois grandes nomes das ciências humanas, Antoine Faivre e Gilbert Durand, tenho de recordar o meu mestre e grande amigo, Lima de Freitas, que me levou até eles. É um nome fundamental a referir. No conceito destes estudiosos do imaginário e das correntes esotéricas, Lima de Freitas era uma figura de grande destaque, respeitadíssimo.
Paulo: Foi um grande responsável pelo ‘desencantamento’ de Portugal O estudo do esoterismo parecia estar e, de certo modo, ainda está um pouco, velado por um ‘encantamento’. O mestre Lima de Freitas perguntava-se como era possível que a riqueza da nossa tradição mítica e esotérica tivesse passado ao lado de um Guénon e de um Evola.
José: Ele e outros, naturalmente. Mas foi o grande anunciador da nossa tradição mítica aos investigadores europeus.
Paulo: Aliás, o seu estudo sobre o 515 foi publicado primeiro em França, pela Albin Michet (515, Le Lieu du Mirot), e só agora está no prelo a edição portuguesa.
José: Desse 515 temos aqui uma figuração, na Quinta da Regaleira. Na verdade, quer o Antoine Faivre, quer o Gilbert Durand quer, sobretudo, o Henry Corbin, o que é que dizem? Gilbert Durand estabelece uma doutrina do imaginário. Descobre, para já, que o imaginário, sendo aparentemente caótico, tem leis, um pouco como na doutrina do caos em que há leis que organizam o caos. No imaginário isso também acontece. Já Gaston Bachelard, no início do século XX, tinha apontado para uma estrutura do imaginário. Gilbert Durand encontra uma estrutura do imaginário que divide em dois regimes, o diurno e o nocturno, estando este último subdividido no sintético e no místico. Associa às manifestações religiosas e místicas o imaginário nocturno, místico, a Lua. Associa ao regime diurno as separações, as distinções, a racionalidade, a claridade, a heroicidade. Por último, talvez o mais importante desses regimes, a estrutura nocturna sintética, onde existe um tipo de racionalidade muito relacionado com as analogias, com a doutrina das correspondências. Associando ao regime diurno a lógica binária aristotélica, associando ao regime nocturno a ilógica, ou a irracionalidade total desse mundo lunar, o que é que resta? Resta o regime daquilo a que Antoine Faivre chama a Hermetica Ratio, a razão hermética, que é uma lógica do terceiro incluído. Existe uma lógica da exclusão, mas esta é uma lógica da inclusão, da inclusão dos contrários. Um distinto professor de filosofia, francês, que tem vindo ao Instituto Piaget, o Jean-Jacques Wunenburger, é um discípulo de Gilbert Durand, tem um livro já traduzido para português A Razão Contraditória, e é exactamente a esta lógica do terceiro incluído e da inclusão dos opostos que reporta o seu trabalho, a mesma lógica onde se situam as correntes do esoterismo; essa ponte entre a luz do dia e o negro da Lua, esse regime intermédio do mundo imaginal; esse mundo intermédio entre a matéria e o espírito, entre as emoções e as razões da ratio.
Paulo: Essa dimensão que proporciona a superação do dualismo, da dialéctica entre o preto e o branco...
José: Certamente. É esse regime, essa lógica do terceiro incluído, da não exclusão, que faz aponte entre os opostos. É uma lógica integradora e isso é muito interessante. Vários discípulos de Gilbert Durand, quer na filosofia, quer na sociologia, estão a propor estas novas metodologias do imaginário para as áreas de ciências humanas onde são especialistas.
Paulo: No fundo é criar um novo paradigma...
José: Exactamente. Sem a pretensão de criar uma nova disciplina, mas fazendo propostas que têm o seu sentido, e que são úteis, porque são, digamos, heurísticas, boas para a investigação. São propostas muito interessantes, quer na literatura, quer na sociologia, quer na antropologia... Eu penso que é exactamente este regime, esta lógica, esta razão hermética que faz a ponte entre os dois regimes opostos: o regime solar e o regime lunar.
Paulo: Aí entramos no papel fundamental da imaginação criadora, já não considerada, como Aristóteles o fez, como a ‘louca da casa’... Contudo, já no século XVI Giordano Bruno afirmou que imaginação não é sinónimo de fantasia, mas sim o órgão da alma, ou seja, por um lado sustenta que temos os cinco sentidos que nos dão informação sobre o mundo sensível, e que, por outro lado, temos a imaginação, o órgão que permite comunicar com o mundo invisível. Hoje diríamos que permite a comunicação com o mundo imaginal.
José: Absolutamente. O próprio Paracelso afirma o mesmo. Dizia que o órgão, a capacidade dos alquimistas, era a imaginação verdadeira, a imaginatio vera, que não é, a fantasia. A phantasey, de facto, é aquela imaginação caótica. Ora a imaginação verdadeira, a imaginação activa, como lhe chamava Jung, ou imaginação criadora, é uma imaginação que tem uma estrutura organizadora». Continua.

In Paulo Loução, A Alma Secreta de Portugal, Ésquilo Edições & Multimédia, 2004, ISBN 972-8605-15-3.

Cortesia de Ésquilo/JDACT