O Códice
«Assim, o manuscrito no
seu estado actual acha-se mutilado, faltando as primeiras 35 folhas.
Isso serve como evidência de que a cópia de 1516 foi feita a partir de um original completo.
Na sua forma integral a
crónica compreendia treze livros
(que é como o seu autor, seguindo critério comum na época, denomina as
partes que o compõem) de extensão irregular, num total de 190 capítulos. Ressalvadas
mutilações anteriores, as trinta e cinco folhas que nos faltam conteriam
a folha de rosto, um possível prólogo do autor (e talvez outro do tradutor),
todo o livro primeiro, os sete capítulos iniciais do livro segundo
e parte do capítulo oitavo. Faltam-nos também alguns trechos ulteriores, onde o manuscrito sofreu danos ou
mutilações, e toda a parte referente à batalha
de Poitiers, num total de quatro folhas, que se perdeu por infeliz acidente
na Biblioteca Ffowlkes pouco antes da transferência do documento para as minhas
mãos.
A cópia quinhentista
destinada a salvar para a posteridade a tradução de Hatch foi feita por encomenda
de certo Thomas Alfield em 1516. Aqui também devemos essa informação ao próprio
códice,
pois ali foi consignado pelo próprio Alfield, ao final da transcrição, um registo
em latim:
- “Iste Liber pertinet Thomae Alfieldi, Tewkesbury, Gloucestershire, Gentleman, Quod Thomas Alfield, anno Domini D X VI, Cui scripsit carmen, sit benedictus. Amen.”
O Manuscrito Alfield na América do Norte
Na escassez de
informações que paira sobre quase tudo que se refira a La Vraye Cronicque de Malemort e sua tradução quatrocentista
para o inglês, pouco se sabe sobre o paradeiro do Manuscrito Alfield desde sua produção sob encomenda em 1516 até à sua
aquisição, nos últimos dias do século XIX, ainda na Grã-Bretanha, por um
magnata norte-americano, Henry Makepeace Ffowlkes, apaixonado coleccionador de
livros e manuscritos antigos. Dificilmente teria permanecido todo esse tempo em
poder de alguma instituição académica, onde, cedo ou tarde, teria chamado a
atenção de eruditos. Assim, é plausível supor que, à semelhança do que ocorreu
com os papéis de Samuel Pepys e James Boswell, por várias gerações tenha sido
relegado à gaveta ou ao armário de alguma residência ou mansão inglesa, cujos sucessivos
ocupantes pelo menos tiveram o cuidado de garantir-lhe o mínimo de condições
necessárias à sua sobrevivência durante quase quatro séculos.
O excêntrico milionário
nunca revelou a ninguém a origem de nenhum dos itens de sua riquíssima colecção:
até à sua morte manteve o acervo inacessível a investigadores de qualquer
categoria e o catálogo sob sigilo absoluto. Mesmo os seus bibliotecários
assinavam termo de confidencialidade prevendo severas penas pecuniárias em caso
de ‘fuga’ de informação a respeito do
acervo. O que não impediu, porém, que a ‘fuga’
de algumas informações que, embora vagas, foram suficientes para despertar
junto à comunidade académica a expectativa de eventual acesso a grande número
de raridades documentais por ocasião da morte do milionário.
Depois da sua morte,
ocorrida em 1948, Quentin Ffowlkes, seu filho único e herdeiro, decidiu-se
desfazer da biblioteca paterna leiloando
cada peça individual, o que provocou uma corrida académica e institucional pela
colecção. Como representante da Universidade Jesuítica de Nova York tive então
acesso ao catálogo e, pelo exame dos registos, pude verificar que o Manuscrito Alfield fora incorporado à colecção
no ano de 1899; mas nenhuma pista havia ali que pudesse levar à identidade do
proprietário anterior.
Por surpreendente
iniciativa de Quentin Ffowlkes, o leilão foi cancelado e a Universidade
Jesuítica recebeu a Colecção Ffowlkes não por lance mas por doacção (excepto o Manuscrito Alfield). Também por
espontânea decisão dele, esse precioso documento foi separado da colecção e
confiado a mim na condição de responsável pela sua edição crítica, incumbência
que só aceitei com extrema relutância, depois de tê-la inicialmente declinado
por questões pessoais.
O meu trabalho de
edição, iniciado três anos atrás, quando recebi o manuscrito, está
previsto para ser concluído dentro de mais três anos. Minha intenção é preparar
uma ampla e confiável edição crítica, com vasta introdução filológica e
histórica, texto crítico, e profusas notas de rodapé; como contemplo uma edição
fac-similar acompanhada da transcrição correspondente, estimo que a obra
ocupará pelo menos três volumes. Até agora fiz a transcrição integral do
conteúdo do manuscrito e preparei cerca de setecentas notas (dois terços do
total previsto), ainda sujeitas a uma revisão final. Espero que essa edição
possa contribuir para promover estudos em todo o mundo sobre a província
de Niniven durante a dinastia nalesiana. Tal é o objectivo maior com que
me dedico ao projecto de publicação da versão em inglês médio de La
Vraye Cronicque de Malemort. In Kathryn Lyell Thornham, Universidade de Santo Agostinho,
Houston, Texas, USA.
In Alan Dorsey Stevenson, O Manuscrito Alfield, A Folha de Hera, Jazzseen,
Julho de 2012, Vitória Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo, Biblioteca
Pública do Espírito Santo, 2011.
Cortesia de
Jazzseen/JDACT