«Já dissemos que Garrett
estabelecera em doutrina e na prática o que havia de constituir a estética
literária do primeiro romantismo português e suas sequelas: estudo do Portugal
medievo, onde, segundo ele e Herculano, existia em potência o autêntico
Portugal com as suas vigorosas forças criadoras, que só o povo guardava ainda
nos seus costumes, crenças e tradições. Mas Garrett, batalhador social e
político, não podia limitar-se a tão pouco e proclamava também que a literatura
moderna havia de ser pedagógica, esclarecendo e educando pela poesia, pelo
drama e pelo romance.
Aconteceu assim, como
sempre tem acontecido desde então, que este nacionalismo, esta pureza castiça
vinha toda feita de fora, talhada pela moda europeia mais recentemente
conhecida. Entre o aparecimento dos poemas ‘românticos’ de Garrett e
as primeiras tentativas de novela histórica, em 1839, mediaram cerca de
dez anos. Rebelo da Silva notou o facto e justificou-o:
- ‘…sem a língua se achar aperfeiçoada a ponto de se domar à narração flexível e variada do romance, sem o estilo familiar se ter formado, e se prestar as inversões, reticências e laconismos do diálogo, era preciso apropriar à novela todos os géneros, desde o epistolar até ao épico, porque ela abrange todos, exercitando-os repetidas vezes. Além da forma literária, tornava-se indispensável recorrer às fontes originais, refazendo a história, restituindo os caracteres e estudando os costumes. No meio de tais dificuldades quem pode pois estranhar que o lavor improbo de sujeitar a inspiração e enfezar o talento meses e anos a cegarem-se sobre pergaminhos apodrecidos entre vermes e pó, obstasse ao desenvolvimento desta manifestação de arte, e tanto tempo mediasse entre o poema romântico e a publicação da novela histórica?’
A vencer tais
dificuldades se consagrou Herculano, já então devotado com predilecção aos estudos
da história pátria, à leitura dos velhos cronistas e às andanças para
conhecimento dos arquivos e cartórios do país. Em 1835 fizera no Repositório Literário a sua
profissão de fé romântica:
- ‘Diremos somente que somos românticos, querendo que os portugueses voltem a uma literatura sua, sem contudo deixar de admirar os monumentos da grega e da romana; que amem a pátria mesmo em poesia; que aproveitem os nossos tempos históricos, os quais o Cristianismo, com sua doçura, e com seu entusiasmo, e o carácter generoso e valente desses homens livres do norte, que esmagaram o vil império de Constantino, tornaram mais ledos que os dos antigos: que desterrem de seus cantos esses numes dos gregos, agradáveis para eles, mas ridículos para nós e as mais das vezes inarmónicos com as nossas ideias morais; que os substituam por nossa mitologia nacional na poesia narrativa; e pela religião, pela filosofia, e pela moral na lírica. Isto queremos nós e neste sentido somos românticos’.
Mas enquanto Herculano
se adestrava na novela histórica, publicando em O Panorama e no Cronista
as suas primeiras tentativas no género, sucediam-se as traduções em língua
portuguesa das novelas do Walter Scott; de 1836 a 1838 pelo menos treze traduções.
Nas revistas e jornais literários de então, eram frequentes os artigos sobre o romancista
escocês e as dissertações acerca do género por ele criado». In
Castelo Branco Chaves, O Romance Histórico no Romantismo Português, Instituto
de Cultura Português, Centro Virtual Camões, Instituto Camões, oficinas
Gráficas da Livraria Bertrand, 1980.
Cortesia do Instituto
Camões/JDACT