O Território
«Principiando por esta, encontramo-la limitada a Norte pelos maciços
dos montes Hermínios, assim os romanos chamavam à nossa cordilheira central, e
a Sul pelos da Serra Morena. Encostados às abas austrais das duas cordilheiras,
correm o Tejo e o Guadiana, inscrevendo entre si a zona dos terrenos silúricos
da metade Sul da Espanha. Para além do primeiro está a faixa dos granitos; para
aquém do segundo os terrenos terciários do litoral mediterrâneo, nitidamente
limitados pelo curso do Guadalquivir. Entre os dois rios ocidentais abre-se
paralelamente a bacia do Guadiana.
A regularidade da estrutura orográfica desta parte da Espanha, evidente
no quase paralelismo dos vales dos rios e da orientação das montanhas, não é
correspondente na estrutura geológica. Profundas revoluções, erupções repetidas
e frequentes, transtornaram muitas vezes a superfície da terra. As manchas
plutónicas estendem-se ao longo dos montes de entre Guadiana e Guadalquivir,
crivados de fendas repletas de filões metalíferos, de chumbo e de azougue, de
prata e de cobre, de enxofre e de manganés; os depósitos hulheiros enchem as cuencas
de Zafra, de Belmez, de Córdova já no fundo vale do antigo Bétis. Os granitos
afloram no Viso e na Serena, ao Sul do Guadiana; e ao Norte, nas serras
divisórias do Tejo, na de Zapata e de Montanches, na Estremadura espanhola; na
de Portalegre e na Serra de Ossa, em Portugal. O nosso Algarve é formado por
terrenos jurássicos que de envolta com estratificações cretáceas constituem também
a zona litoral portuguesa de entre o Tejo e o Vouga e os lombos que prolongam a
Serra da Estrela até Sintra. Finalmente achamos duas nódoas consideráveis de terrenos
terciários marinhos: uma ao longo do Guadiana, desde Elvas e Olivença, por
Mérida, à Serena; outra no vale do Tejo, desde a foz até Abrantes, com a bacia
alenteana do Sorraia e mais para o Sul a do Sado, até Alcácer e até Sines, na
costa.
Ao Sul do Guadiana há estepes e serranias mineiras, ao Norte planícies
nuas de árvores, queimadas de sol, férteis de pão com as lombadas cobertas de
sombrios azinhais. São o Alentejo, a Estremadura espanhola, e parte da Mancha
eternizada pela obra de Cervantes.
O planalto das Castelas, onde no sopé do Guadarrama sobre um breve
leito de terrenos diluvianos assenta Madrid; esse planalto de onde vazam para
Ocidente o Guadiana e o Tejo e para o Sul o Jucar, foi outrora também um lago,
quando o eram o vale do Ebro e o do Douro, é hoje a última das bacias terciárias
lacustres da Espanha, inscrita entre Madrid, Toledo, que foi capital no tempo
dos godos, Cuenca e Utiel, Albacete já em Múrcia, e Ciudad-Real já na Mancha.
Encerrado entre as cumeadas graníticas do Guadarrama, entre as
montanhas secundárias do Sul do Ebro e os maciços das terras da Lusitânia e da Bética,
esse lago terciário vazava para o Mediterrâneo pelos declives que agora seguem
o Jucar até Cullera na baía de Valência, e o Segura que vai alagando as veigas
murcianas do vasto lençol de terciários marinhos estendidos na costa desde
Valência por Alicante e Cartagena, internando-se até Albacete.
Em Cartagena, no Cabo de Palos, principiam a erguer-se os lombos de
terrenos metamórficos que constituem junto ao mar a Serra Nevada, Para além da
qual o Guadalquivir corre, desde San Lucar até Ubeda, num leito terciário. É entre
os declives e eminências da Serra Nevada que os restos da requintada
civilização árabe aparecem por toda a parte, ao mesmo tempo que a Andaluzia
inteira testemunha a sábia agricultura dos antigos dominadores, cujos
barbarizados filhos pisam ainda as alturas das Alpujarras, como os seus irmãos
do Magrebe, do outro lado do Mediterrâneo. Por Málaga, descendo a Gibraltar,
vê-se o decair dessas cordilheiras que formam o esqueleto da primeira das
colunas de Hércules. O clima, a vegetação e a raça fazem desta província da
Espanha uma região, ao mesmo tempo fascinante e semi-bárbara». In
Oliveira Martins, História da Civilização Ibérica, Guimarães Editores, Lisboa,
1994.
Cortesia de Guimarães Editores/JDACT