A Governação dos Áustrias em Portugal
Filipe II e o Tribunal do Santo Ofício (maldito): Um momento de “graça” entre ambos os poderes
«Filipe II pretendeu implantar com toda a pureza o conceito religioso
de seus bisavôs e promover o desenvolvimento, com total amplitude e
independência, das instituições por eles criada, processo que se iniciou
naquele reinado e se prolongou até ao século XVIII. Os últimos dias de Carlos
V, em Yuste, foram de grande preocupação após a descoberta, pela Inquisição
(maldita), de focos luteranos em Castela, tendo esta sido aquela uma das razões
que apressou a partida da Flandres de Filipe II e o seu regresso a Espanha.
Firme na sua
religiosidade, Carlos V foi um homem do seu tempo, incapaz de superar a
barreira da intolerância e foi esse espírito que transmitiu a seu filho. Assim,
já em 1543, aconselhava o futuro rei a nunca permitir que as heresias entrassem
no reino e a favorecer a Santa Inquisição (maldita), dotando-a de todos os
meios que lhe permitisse combate-las.
A defesa e imposição de
uma ortodoxia constituíam, à época, a primeira e mais importante razão de
Estado e a Inquisição (maldita) era o mecanismo adequado e o mais eficaz para
defender essa “Razão de Estado”, que
correspondia aos interesses políticos da monarquia de Filipe II. Procurando dar
continuidade à política de seu pai e partilhando das mesmas preocupações que
ele, Filipe II, ainda como regente, promoveu e apoiou o fortalecimento e
autonomia da Inquisição (maldita) consagrando, em 1553, os seus privilégios ao
proibir que qualquer autoridade eclesiástica ou temporal se intrometesse no
governo da instituição. Paralelamente, implementou uma política de combate à
heresia, em particular a protestante, que teimava em alastrar, e na qual se
enquadrou:
- a publicação do índice dos livros proibidos de 1554;
- o reconhecimento, em 1556, dos estatutos de limpeza de sangue;
- a vigilância das fronteiras com o objectivo de impedir a entrada de literatura suspeita;
- a proibição de saída de estudantes para universidades estrangeiras e o estrito controlo dos estudos, através da imposição de estatutos, como se assistiu na Universidade de Salamanca, em 1561, já no início do seu reinado.
Como rei, Filipe II,
durante os primeiros dez anos do seu reinado [1556-1566], através de uma acção
concertada entre o monarca e o Inquisidor-geral, Fernando Valdés, arcebispo de
Sevilha, que se traduziu em uma intensa actividade inquisitorial, conseguiu
praticamente estripar da sociedade espanhola os desvios heréticos que tinham
tido forte implantação. Assistiu-se, paralelamente, ao reforço de uma política pró-inquisitorial,
com vista à defesa da fé e à implantação de uma ideologia confessional, bem
como da catequização dos fiéis, processo que se prolongou para além do início
do seu reinado. Assim, particularmente a década 1560-1570 constituiu um período
rico em notícias inquisitoriais e política religiosa e em que muitos dos
conflitos registados tiveram por base o apoio prestado pelo rei à Inquisição
(maldita), consubstanciado em medidas particulares visando o estabelecimento da
jurisdição inquisitorial e da sua relação com a jurisdição eclesiástica
ordinária e a jurisdição secular, bem como o fortalecimento e ampliação da
Inquisição (maldita), reformulando-se as suas leis, competências e actividades.
Esta política religiosa
ao serviço do Estado permitiu à Inquisição (maldita) a imposição de um sistema
de ideias e crenças em consonância com o poder político, um “disciplinamento
social”, que se estendeu além fronteiras, criando lugar à instalação dos
tribunais inquisitoriais nas Índias de Castela.
A partir de 1578 até à
sua morte, em 1596, Filipe II seguiu uma política religiosa ainda mais severa,
enviando uma recomendação ao clero para que endurecesse a sua actuação
religiosa, estreitando, ao mesmo tempo, a sua dependência em relação a Deus. A
partir de 1588, após um período áureo, entre 1579-1588, em que a monarquia
espanhola se consolidou em termos políticos e religiosos, o declínio pessoal e
político de Filipe II teve início. Porém, manteve-se a sua “obsessão”
com a Inquisição (maldita)». In Maria do Carmo Teixeira Pinto, Os
Cristãos-Novos de Elvas no reinado de D. João IV. Heróis ou Anti-Heróis?, Dissertação de Doutoramento em História,
Universidade Aberta, Lisboa, 2003.
Cortesia de U.
Aberta/JDACT