Deixa
À tua mãe o marfim crucificado
ao teu pai o vício mais ronceiro
e a quem quiser
os lindos pentes da virtude.
Frases célebres
todas
e não esqueças aquela
que diz assim:
Pais
que fazeis?
Os Vossos Filhos
não são tostões.
Gastai-os depressa!
Deixa também a ilusão de que te amaram
àquelas duas que ali não vês.
Só no tempo em que os suicidas
como os animais falavam
valia a pena desiludir.
Deixa ainda
o que a álgebra mais secreta
decidiu a teu favor
A sombra que projectaste
talvez alguém a resolva
num diamante cruel.
Canção
Que saia a última estrela
da avareza da noite
e a esperança venha arder
venha arder em nosso peito.
E saiam também os rios
da paciência da terra
É no mar que a aventura
tem as margens que merece.
E saiam todos os sóis
que apodreceram no céu
dos que não quiseram ver
- mas que saiam de joelhos.
E das mãos que saiam gestos
de pura transformação
Entre o real e o sonho
seremos nós a vertigem.
Poemas de Alexandre O’Neill,
in ‘Tempo de Fantasmas’, 1951
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