terça-feira, 20 de novembro de 2012

Carla Alferes Pinto: A Infanta dona Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa Renascentista. Parte XI. «Não é difícil concluir que João III mudara de opinião sobre as vantagens de uma aliança luso-francesa. Carlos V fizera uma proposta bem mais vantajosa. Manobrara de forma hábil as ambições portuguesa e francesa sobre o ducado de Milão…»



jdact

«Com efeito, o mês de Maio de 1536 foi para Henrique VIII de tal forma célere e bizarro que confundiria qualquer diplomata, até o mais avisado: a 19 faz executar Ana Bolena e ainda antes do fim do mês casa com Jane Seymour que também não seria rainha de Inglaterra por muito tempo, desta vez mais por culpa da incipiente medicina dos Tudor que por capricho real. Jane conseguira gerar o varão que Henrique tanto ambicionava e este custou-lhe a vida: Eduardo nasce a 12 de Outubro e ela morre a 24, no ano de 1537. Numa carta, datada de 29 de Novembro de 1537, de Cromwell a Thomas Wyatt, na qual o primeiro se queixava da pouca importância dada pelos embaixadores imperiais à conclusão das negociações do casamento de Luís com Maria Tudor, conclui que esses mesmos enviados haviam feito:
  • uma proposta de casamento com uma Filha d'ElRei de Portugal, e que fora esta bem aceite pelo Governo Inglez.
Apenas dois meses após a morte da rainha, o ministro de Henrique VIII retoma uma proposta de Carlos V que se tornara incapaz um ano antes; esta filha do rei português não podia ser outra que não a infanta D. Maria (as filhas de João III e de D. Catarina eram demasiadamente novas e as irmãs da Infanta estavam já casadas). Mais uma vez o casamento não se concretiza, e mais uma vez a responsabilidade terá que ser imputada a Carlos V e à sua política europeia. Inesperadamente, em 1538, o imperador e Francisco I põem de lado as suas diferenças, ao que se segue ume feroz retaliação por parte da Santa Sé contra Henrique VIII; e o Tudor casa no final de 1539 com Ana, duquesa de Clèves, cuja casa paterna tinha ligações com a Liga de Esmalcalda, qual os príncipes luteranos alemães se haviam unido para lutar contra Carlos V.
A carta de Álvaro Mendes Vasconcelos contém ainda uma frase que nos ajuda a compreender a mudança de atitude de João III face às propostas do rei francês:
  • Quanto a frança Vossa Alteza a meu ver e não me engano deve satisfazer o Emperador largamente e obrigado a passar os vossos negocios por onde os seus.
De facto, outra carta, datada de 22 de Setembro de 1537, em que o rei dá instruções ao conde de Castanheira sobre os motivos que se prendem com a sua missão de confiança, começa o texto tratando do assunto da:
  • Infante, dona Maria, minha irmãa, pela presunção que tenho, alem do que ele [Imperador] ja nisto me escrevueo, que a Rainha de França, sua mãy, rne quer pedir que a mande a França..
A vontade régia ia contra o desejo de D. Leonor e, apesar de não esclarecer, considera:
  • que pera ysto sejam as rezões em contrario muy craras a todos, porque alg~uas sam de calidade que se nam podem bem praticar.
Tem por tão certa a justeza da sua recusa que reafirma que:
  • a ele [Imperador] lhe não parecera bem tal cousa, e que lhe peço que asy seja polas muytas Rezões que ha pera iso, [...] por que a Rainha, sua mãy, pelo emxempro que de mym tem, me devia de mandar de França sua filha, mynha irmãa, pera d’aquy milhor casar que de França; [...] e da casa da Rainha nam devia a Rainha de França de querer que sua filha d’aqui saise, quanto mais pera o trato fances. Item: todas as mais Rezões d’isto que convosquo pratiquey, dizendo lhe tanbem quanto a Rainha sente ouvir falar nisto, e como lhe parece Rezão, se fora licito criarense suas filhas fora da Regno, mandalas ele a sua casa antes que a Arevalo, quanto mais averse de hyr de sua casa sua sobrinha, minha irmãa.
Não é difícil concluir que, por esta altura, João III mudara já de opinião sobre as vantagens de uma aliança luso-francesa que fosse contra os desejos do imperador. Como vimos, Carlos V fizera uma proposta bem mais vantajosa. Manobrara de forma hábil as ambições portuguesa e francesa sobre o ducado de Milão, de maneira a tornar os dois reinos adversários, e começara a convencer João III de que armar de tantos capitais um país com exércitos comandados por Francisco I acabaria por ser prejudicial, não só para ele como para Portugal, face às inúmeras relações pessoais que existiam entre as casas de Avis e de Habsburgo». In Carla Alferes PintoA Infanta Dona Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa Renascentista, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-9440-90-5.