Tela do mestre Carlos Alberto Santos, 1987
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O Mistério Templário
«A percepção do impacto que a acção da Ordem do Templo provocou na
Idade Média europeia e da sua forte implantação em Portugal constitui uma das
bases fundamentais para a apreensão do conteúdo do presente trabalho. Antes de
analisarmos o esoterismo da Ordem do Templo, faremos uma pequena reflexão sobre
a relação entre o esoterismo, a história e os arquétipos.
Já sabemos que exotérico significa aquilo que é externo e esotérico
aquilo que é interno, íntimo, peculiar aos de dentro. Por exemplo, o exoterismo
histórico ou religioso dá-nos uma visão superficial da história ou duma
religião, facilmente compreensível pela generalidade das pessoas, enquanto que
o conhecimento esotérico permite aos seres dotados de uma certa visão interior
penetrar num lado mais profundo da história ou duma religião. Naturalmente
existem diversos níveis de esoterismo. Apenas os mais ‘acessíveis’ são divulgados através de livros, permanecendo os mais
profundos inseridos numa tradição oral milenar. No entanto, mesmo os mais ‘acessíveis’ têm o poder de provocar as
reminiscências espirituais que alimentam o ser profundo que habita todo o
homem. Como dizia Platão: ‘Vós sois Deuses mas vos haveis esquecido’.
Nesse tronco central da cultura portuguesa do século XX, onde encontramos
o movimento da Renascença Portuguesa e o grupo da Filosofia Portuguesa, sempre
houve uma empatia por ideias esotéricas e pela procura de uma dimensão espiritual
do cosmos. Neste sentido, José Marinho dedicou-se aturadamente a
resgatar do esquecimento a obra de Sampaio Bruno. No final de um estudo
sobre o filósofo portuense conclui:
- ‘O segredo de Bruno, afinal não está em Bruno, mas no dom que lhe foi dado e em quem lhe deu o dom. (...) Sabia como só no mais remoto invisível está o segredo de tudo quanto os nossos olhos supõem ver e as mãos iludem tocar. Mas veio antes de tempo e nem viu bem o que intuiu, nem pôde afinal dizer bem o já muito que sabia. Foi prematuro. (...) Talvez num alvorecer ou num anoitecer mais ou menos remoto algum pensador possa retomar a sua difícil empresa e, colocado sob o terrível signo das 'constelações invisíveis', alcance exprimir com mais felicidade a temerosa, sedutora e fecunda heresia’.
De facto, encontramos no pensamento de Bruno uma série de intuições e
teorias estimulantes que merece ser debatida. Na sua obra póstuma Os
Cavaleiros do Amor, mostra ter captado toda a força que teve o
pensamento heterodoxo na história de Portugal e da Europa. Também admite que
certos homens excepcionais tenham acesso à desvaliação da luz da verdade e que,
como esta colide com as instituições estabelecidas, nomeadamente as religiosas
exotéricas, aqueles sintam a necessidade de formar confrarias secretas para que
essa verdade seja preservada. Temos uma visão semelhante. A consciência dos
seres humanos espiritualmente mais evoluídos acede a uma dimensão da Natureza
mais próxima dos arquétipos puros do que a maioria dos seus contemporâneos, ou
seja, poderá existir uma elite de humanos que tem o dom de entrar em contacto
com o centro do mundo, quer dizer, o lugar imaginal onde as ideias
puras se transformam em ideias-formais, em imagens imateriais. Mas como afirma
Henry Corbin, o mundus imaginalis tem tanta realidade como o nosso, se bem que
numa dimensão mais subti, e é habitado por uma infinidade de entidades
incorpóreas (entidades que têm forma mas são imateriais, ou melhor, são
compostas de matéria muito subtil). Assim, falando em termos simbólicos, nesse centro
do mundo, deverá habitar o Rei do Mundo rodeado pelo seu numeroso
séquito de seres espirituais. Estes terão como uma das suas funções moldar os
arquétipos históricos.
Alegoria do Infante Henrique
Tela do mestre Carlos Alberto Santos, 1988
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Aqueles que ultrapassavam vitoriosamente as provas nos grandes
mistérios da Antiguidade adquiriam uma dupla vida consciente, isto é, para além
da vida terrestre podiam aceder conscientemente à dimensão imaginal, onde
entravam em contacto com os mestres que compõem o séquito do Rei
do Mundo. Esta corrente mágica que mantém a ligação entre o Céu e a
Terra, embora se possa tornar bastante ténue, nunca se perde totalmente e,
mesmo hoje em dia, num momento de acentuado materialismo que pressiona a
consciência humana para os seus corpos mais densos, existem iniciados que
mantêm contacto consciente com o centro do mundo. Exceptuando casos
muito raros, estes sábios primam pela humildade, discrição, e nunca divulgam as
suas experiências desta natureza, pelo que é fácil de constatar que, no geral,
todos aqueles que dizem contactar com anjos, arcanjos, Cristo, entidades
espirituais, etc., estão a anos-luz do centro do mundo e, na maior parte
das vezes, são literalmente enganados por elementais habilidosos (seres incorpóreos
cujo estádio evolutivo corresponde ao do reino animal), isto quando o não são
pela sua consciência ou pelos seus escúpulos. Tudo indica, de facto, que a Ordem do Templo, como organização,
estabeleceu uma ligação efectiva com o Rei do Mundo, ou seja, construiu o Templo
de Salomão na Terra, um espaço sagrado que unia o visível ao invisível.
Certa tradição refere que, com a queda do mundo clássico e a chegada
das trevas medievais, a sabedoria esotérica e os mistérios refugiaram-se no
Oriente, ficando o Ocidente órfão da sua tradição mais profunda. Mais tarde, os
Templários entraram em contacto com mestres orientais e provocaram uma anamnese
na cultura profunda da Europa Ocidental». In Paulo Alexandre Loução, Dos Templários à
nova Demanda do Graal, O Espírito dos Descobrimentos Portugueses, Ésquilo,
Lisboa, 2005, ISBN 972-8605-26-9.
Cortesia de Ésquilo/JDACT