«A ideia de que um sistema parlamentar nestas condições é uma enorme
mistificação, e não representa o governo do país pelo país, mas antes a sujeição
do país a uma oligarquia governante é dificilmente contestável; e ninguém
depois de Herculano a exprimiu com maior veemência e clareza. É flagrante, também
, a razão de Herculano ao afirmar que a política nacional, mediante a
adulteração das instituições parlamentares, caminhava no sentido da reacção
internacional contra as conquistas liberais, encabeçada pelos impérios francês
e austríaco.
Mas deve notar-se que este crítica é incompleta porque desconhece as
raízes económicas desta adulteração do regime parlamentar. Herculano viu a
associação da agiotagem e do Cabralismo como um caso episódico já não atingiu o
conjunto de interesses nacionais e internacionais em que se apoiava o
Rodriguismo-fontismo, considerando-o sob um aspecto puramente político. Os
políticos apareciam-lhe isolados no-palco agindo por conta e interesse
próprios. Via o despotismo político como um fim, e não como um meio.
Escapou-lhe, portanto, o alcance mundial do desenvolvimento do
capitalismo industrial, donde se originara o capitalismo financeiro, que aliado
às sobrevivências do Feudalismo na Alemanha e na Europa Oriental, e a outras
forças tradicionais, estavam na origem da contra-revolução desencadeada após
48. Por outro lado, Herculano não se ocupou da orientação propriamente
económica do fomento fontista, limitando-se a considerá-lo como disfarce da reacção
política e clerical. A ideia de que é errada a política de fomento, que
consiste em desenvolver o transporte sem cuidar ao mesmo tempo da produção, mais
tarde desenvolvida por Oliveira Martins, não a encontramos em Herculano.
Em resumo, a crítica formal do funcionamento das instituições
parlamentares feita por Herculano é exacta; mas faltou-lhe descobrir as causas que
fazem funcionar essas instituições em proveito de uma oligarquia, cujo
verdadeiro rosto não chegou a conhecer.
Já, porém, a construção que Herculano oferece em substituição do
parlamentarismo que tão certeiramente criticou não nos pode hoje interessar senão
como uma bela utopia». In António José Saraiva, Herculano
Desconhecido. 1851-1853, Edições SEN, Porto, 1953.
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