quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Vasco Esteves de Gatuz e o seu Túmulo Trecentista em Estremoz. Mário Nunes Costa. «O sobrenome de Vicente Martins está presente em nossos dias na herdade da ‘Torre do Curvo’, situada a noroeste do Monte do Alvarenga, não longe do local onde a Ribeira de Tira-Calças desemboca na Ribeira Velha»


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Identificação de ‘Gatuz’
«Os Gato criaram nos séculos XIII e XIV laços familiares com os Gonçalves de Sousa, os Martins de S. Colmado, os Soares de Melo, os Pires de Azevedo, os Pais Curvo de Alvarenga, os Pires de Gundar, os Gonçalves de Portocarrero, os Esteves de Tavares, os Pires de Pereira, os Anes de Paiva, […] e outros mais, a quem o sobrenome aponta para um topónimo de origem ou de domínio. Ter-se-á dado algo de semelhante com ‘Gatuz’?
Não conhecemos hoje, é certo, nenhum lugar designado assim em Portugal. Mas, no século XIV e mesmo antes, tal lugar existia, como vamos ver:
  • Em 1363, havia uma grande propriedade no termo de Elvas, , a oeste de Vila Fernando, onde, além de três casas de residência, um pardieiro e um forno, existia uma torre, a ‘torre de Guatus’, com duas tulhas no rés-do-chão e uma divisão por cima, ficando-lhe adjacentes umas outras casas, com forno. Nos limites dessa herdade situava-se a herdade da Defesa de Vila Fernando, cujo nome se conserva, bem como o ‘ribeiro de Guatus’, cujo leito primitivo estava no século XVI já alterado, e a ribeira de Vila Fernando, de que o ribeiro era afluente, além de herdades cujos topónimos ainda hoje subsistem na região entre Vila Fernando e Santo Aleixo, no concelho agora de Monforte, como sejam Curvo, Famagudo, Taboado, Perú e Sancha Ladra, mais a serra de Aires. Ali passavam, ao tempo, as estradas de Elvas para Veiros e de Avis para Santo Aleixo;
  • No mesmo ano de 1363, Maria Anes Louseira, moradora e vizinha de Estremoz e mulher que fora do sobrejuiz Bartolomeu Pires, fez o seu testamento em Évora e nele instituiu uma capela com ónus pio em Santa Maria de Estremoz e outra em S. Francisco de Évora. Entre os bens vinculados às capelas de Maria Anes Louseira contou-se uma propriedade no termo de Elvas que se chamou ‘herdade de Guatuz’. confrontava com a estrada que ia de Elvas para Veiros e com a herdade da ‘Torre de Guatus’, acima referida. No século XVII, essa herdade, que tinha um perímetro de 5720 varas, passou a ser conhecida, também, por herdade do Alvarenga, designação que ainda hoje subsiste no local;
NOTA: A herdade de D. Maria Anes Loureira atingia a ribeira de Tira-Calças, que ainda hoje conserva este nome, subia essa ribeira a partir da foz, confrontando com a herdade da ‘Torre de Guatus’, e virava para ocidente, ia à estrada de Vila Viçosa para Portalegre, confinava depois com a já mencionada herdade de Sancha Ladra, entestava com a herdade da Serra de Aires e, fechando o circuito, partida de novo com a herdade da ‘Torre de Quatus’ e a estrada de Elvas para Veiros. ANTT-Tombo das Capelas da Coroa.
  • Em 1348 (Agosto, 18), Vicente Martins Curvo, homem que fizera uma capela na igreja de S. Salvador em Veiros, confirmou em sua casa, perante o tabelião Janeiro Pires, as disposições testamentárias que o tabelião Afonso Garcia redigira a seu pedido. No testamento manda que o soterrem na referida capela e determina que na mesma sejam ditas missas por sua alma e pelas almas de seu pai e sua mãe. Para garantia desta obrigação, dispôs de vários bens, entre os quais, segundo leitura do século XVII, ‘a quinta de Guatus que foi de Rodrigue’Annes Redondo como parte por a Ribeira de Guatus acima, e como torna por o Ribeiro que uem pera a villa tornado de contra a villa tornado he direitamente a cabeça do Seixo e como se uai ao penedo ferre, e dahi como se uay ao pee da sertãa’. Vicente Martins Curvo dispôs igualmente a favor da capela de um herdamento que ‘ias em Guatus que parte ho reguengo da Ordem do Prior, e parte com os de Aires Affonço em longo he entesta com a molher, e herdeiros de Aires Affonço’.
NOTA: O instituidor terá sido sepultado na igreja de S. Salvador de Veiros. Repousará ali na capela de S. João Baptista, lembrando-o lá duas lápides, uma do século XVII e outra, bem mais antiga, legendada com caracteres góticos. A capela de Vicente Martins Curvo teve tombo feito por Tomé Pinheiro da Veiga em 5 de Abril de 1622 (ANTT -Tombo das Capelas da Coroa). A propósito da ‘quinta de guatus’, vinculada a essa capela, lembremos que o seu antigo possuidor, Rodrigo Anes Redondo foi filho de João Peres Redondo e de D. Mor Peres de Pereira, em segundas núpcias de ambos (Livro Velho de Linhagens, in Port. Mon. Hist., Scriptores, e Livro das Linhagens atribuído ao conde D. Pedro). Rodrigo Anes Redondo casou com D. Mor Fernandes, filha de Fernão Martins de Curutelo e de D. Urraca Domingues de Santarém, referida também como D. Urraca Rodrigues. Teve casa em Santarém, onde seu sogro, Domingos Johanes, ‘villãao rico e poderoso’, casara com D. Urraca Fernandes. Contemporâneo e homem próximo de el’rei Dinis, Rodrigo Anes Redondo testemunhou, por exemplo, a doação de Atouguia, feita pelo rei Dinis à rainha D. Isabel, em 19 de Outubro de 1307 (ANTT-Chancelaria del-rei D. Dinis, Doações; a doação pode ler-se, igualmente, em Alfredo Pimenta, Idade-Média. Problemas e soluções). Quanto a Aires Afonso, parece identificar-se com Aires Afonso de Veiros. Um dos filhos deste, Rodrigo Aires, veio a fazer testamento em Veiros a 11 de Julho da era de 1401 (ano de Cristo de 1363), pelo qual instituiu uma capela no mosteiro de S. Francisco de Évora. Aí terá sido enterrado. Para a manutenção da capela legou bens em Évora, Estremoz, Sousel, Vale de Frades, etc.

O sobrenome de Vicente Martins está presente em nossos dias na herdade da ‘Torre do Curvo’, situada a noroeste do Monte do Alvarenga, não longe do local onde a Ribeira de Tira-Calças desemboca na Ribeira Velha. Para nordeste, situa-se a herdade da ‘Torre de Frade’». In Mário Alberto Nunes Costa, Vasco Esteves de Gatuz e o seu Túmulo Trecentista em Estremoz, Academia Portuguesa da Historia, 1993, ISBN 972-624-094-8.

Cortesia da AP da Historia/JDACT