O Computador interior
«Esta explicação não tem nada de superficial. Toca em algo fundamental
da nossa maneira de pensar. O nosso inconsciente é uma força poderosa, mas pode
falhar. O nosso computador interno não se sai sempre bem, descodificando instantaneamente
a ‘verdade’ de qualquer situação.
Pode estar distraído ou desligado, ou, então, inoperante. Muitas vezes, as
nossas reacções instintivas têm de competir com muitos outros interesses,
emoções e sentimentos. Sendo assim, quando é que podemos confiar nos nossos
instintos, e quando é que temos de ter cuidado com eles? A resposta a essa pergunta
é a segunda tarefa deste livro. Quando os nossos poderes de reconhecimento
rápido se enganam, enganam-se devido a um conjunto de razões específicas e
consistentes, razões essas que podem ser identificadas e compreendidas. É
possível saber quando é que se deve ouvir o nosso poderoso computador interior e
quando é que se deve desconfiar dele.
A terceira e mais importante tarefa deste livro é convencer o leitor de
que as nossas avaliações instantâneas e as primeiras impressões podem ser
educadas e controladas. Sei é difícil de acreditar em tal coisa. Harrison,
Hoving e os outros especialistas de arte que viram o kouros do Getty reagiram
com respostas intensas e muito elaboradas, mas as suas reacções inconscientes
não surgiram espontaneamente? Será que uma reacção tão misteriosa pode ser controlada?
A verdade é que pode. Assim como podemos aprender a pensar lógica e
deliberadamente, também podemos aprender a fazer melhores avaliações
instantâneas.
Neste livro vamos encontrar médicos, generais, treinadores, decoradores
de interiores, músicos, actores, vendedores de automóveis e muitas outras
pessoas que são muito competentes naquilo que fazem e que devem o seu sucesso, pelo
menos parcialmente, aos passos que deram para formar, controlar e educar as
suas reacções inconscientes.
O poder de saber naqueles dois segundos iniciais, não é um dom mágico
de algumas pessoas beneficiadas pela sorte. É uma capacidade que podemos
desenvolver para o nosso benefício.
Um Mundo Diferente e muito Melhor
O que não falta são livros que tratam de temas gerais, que analisam o
mundo à distância. Não é o caso de Blink! Diz respeito aos componentes
mais pequenos do nosso dia-a-dia, o conteúdo e a origem daquelas impressões e
conclusões instantâneas que surgem espontaneamente, sempre que conhecemos
alguém, nos confrontamos com uma situação complexa, ou temos de tomar uma decisão
sob tensão. Quando se trata de nos compreendermos melhor a nós próprios e ao
mundo, creio que prestamos uma atenção excessiva aos grandes temas e mal
reparamos nos pormenores desses momentos, que passam tão depressa.
Porém, como é que seria se levássemos a sério os nossos instintos? Como
seria se parássemos de percorrer o horizonte com os binóculos e começássemos a
examinar as nossas decisões e comportamentos através do microscópio mais potente?
Creio que tal atitude mudaria o modo como se fazem as guerras, os produtos que
vemos nas lojas, as propostas do cinema, o treino das forças policiais, o
aconselhamento aos casais, as entrevistas de emprego e muito mais situações por
aí fora. E, se conseguíssemos combinar todas essas pequenas mudanças, acabaríamos
por ter um mundo diferente e muito melhor. Acredito, e espero que no final o
leitor também acredite, que a tarefa de nos percebermos a nós próprios e de
percebermos o nosso comportamento requer que reconheçamos o facto de poder
haver tanto valor no tempo de uma piscadela de olho como em meses de análises
racionais.
Sempre considerei mais objectiva a opinião científica do que a avaliação
estética, disse a conservadora do Departamento de Antiguidades do Getty, Marion
True, quando finalmente emergiu a realidade sobre o kouros, mas agora vejo
que estava enganada.
A Teoria das Fatias Finas: Como um Pequeno Conhecimento chega tão Longe
(A expressão thin slice , ‘fatias finas’,faz mais sentido em
inglês, onde se usa frequentemente slice
of life, fatia de vida para designar um período de tempo da vida de uma
pessoa. Não se encontra equivalente idiomático em português)
Há alguns anos, um casal de jovens foi à Universidade de Washington
visitar o laboratório de um psicólogo chamado John Gottman. Andavam pelos vinte
e tal anos, eram louros, de olhos azuis, cabelo cortado à moda e óculos cheios de
estilo. Posteriormente, algumas das pessoas que trabalhavam no laboratório
comentaram que eles eram o tipo de casal de quem facilmente se gosta,
inteligentes, atraentes e ainda por cima divertidos, com um toque de ironia excêntrica,
e isso pôde ver-se logo no vídeo da visita feito por Gottman. O marido, a quem
vou chamar Bill, tinha um comportamento divertido, que atraía as pessoas. A sua
esposa, Susan, era de raciocínio rápido e racional.
Foram levados para uma pequena sala no segundo andar do discreto edifício
de dois andares que albergava o departamento de Gottman e sentaram-se a um
metro e meio um do outro, em duas cadeiras de escritório colocadas em cima de estrados.
Ligaram eléctrodos e sensores os seus dedos e orelhas, para se medirem coisas
como o ritmo cardíaco, a transpiração e a temperatura da pele». In Malcolm
Gladwell, Blink, Publicações Dom Quixote, 2006, ISBN 978-972-20-4079-2.
continua
Cortesia D. Quixote/JDACT