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Afonso Henriques e S. Mamede
«A Sociedade Martins
Sarmento organizou uma exposição, não procurando acrescentar qualquer nova
auréola ao primeiro rei, nem pôr em causa o local do acontecimento histórico.
Isto é, não visou
alimentar qualquer estéril polémica quanto à naturalidade de Afonso
Henriques e muito menos quanto ao local onde foi travada a peleja.
Muito chãmente, procurou
mostrar como a tradição alimentou um rico imaginário que, até prova documental
irrefutável, constitui penhor histórico insubstituível para Guimarães e suas
gentes.
Se o evento histórico
tivesse sido congeminado por um poeta, com certeza que ele não desdenharia de
escolher a noite de S. João como cenário ideal de sonhos auspiciosos gerados
por eflúvios solsticiais. Pese embora a decisão de travar a batalha de S. Mamede
ter decorrido de uma postura bastante pragmática do infante e dos barões de
Entre-Douro-e-Minho, o facto é que mais do que as lendárias correntes que
pesaram sobre a condessa destituída, ficou a imagem destemida do filho.
A primeira tarde portuguesa,
vivida no rescaldo da batalha de S. Mamede, marcou para sempre o vínculo de
Afonso Henriques a esta Terra, e uma vida longa e aventurosa projectaram a sua
imagem pelos séculos fora, indissociavelmente presa a uma Guimarães mítica que
tem enchido, desde sempre, o imaginário de todas as crianças portuguesas.
A tradição, sustentada
há séculos por todos os historiadores vimaranenses, e não só, tem permitido
alimentar um outro imaginário, aquele que puderam percorrer com os olhos e
tactear através do diversificado material que ofereceram à curiosidade dos visitantes.
De Guimarães o campo se tingia,
Co sangue proprio da
intestina guerra,
Onde a mãy que tam pouco
o parecia,
A seu filho negaua o
amor, & a terra,
Co elle posta em campo
ja se via,
E não ve a soberba, o
muito que erra.
Contra Deos, contra o
maternal amor:
Mas nella o sensual era
maior.
De Os Lusíadas, canto
terceiro, Luís de Camões
Não passa muito tempo, quando o
forte
Principe, em Guimarães
está cercado,
De infinito poder, que
desta sorte,
Foy refazerse o immigo
magoado:
Mas com se offerecer aa
dura morte,
O fiel Egas amo, foy
liurado.
Que de outra arte podêra
ser perdido,
Segundo estaua mal aperçebido.
Mas o leal vassallo conhecendo,
Que seu senhor não tinha
resistencia,
Se vay ao Castelhano,
prometendo,
Que ele faria darlhe
obediencia.
Leuanta o inimigo o
cerco horrendo,
Fiado na promessa, &
consciencia
De Egas moniz mas não
consente o peito
Do moço illustre, a
outrem ser sogeito.
Chegado tinha o prazo prometido,
Em que o Rei Castelhano
ja agoardaua,
Que o Principe a seu
mando sometido,
Lhe desse obediencia que
esperaua.
Vendo Egas, que ficaua
sementido,
O que delle Castella não
cuydaua,
Determina de dar a doçe
vida,
A troco da palaura mal
comprida.
E com seus filhos & molher se
parte,
A aleuantar co elles a
fiança,
Descalços, &
despidos, de tal arte,
Que mais moue a piedade
que a vingança.
Se pretendes Rei alto
vingarte,
De minha temeraria
confiança,
Dizia, eis aqui venho
offerecido,
Ate pagar co a vida o
prometido.
De Os Lusíadas, canto
terceiro, Luís de Camões
D. Affonso Henriques
Pae, foste cavalleiro.
Hoje a vigilia é nossa.
Dá-nos o exemplo inteiro
E a tua inteira força!
Dá, contra a hora em
que, errada,
Novos infieis vençam,
A benção como espada,
A espada como benção!
in Mensagem de
Fernando Pessoa
In Maria José Marinho
Queirós Meireles, D. Afonso Henriques e S. Mamede, Exposição, Congresso
Histórico sobre D. Afonso Henriques, Sociedade
Martins Sarmento, Guimarães, 1995, ISBN 972-8078-46-3.
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