Como explicar a inacção resultante das negociações das Nações Unidas sobre
o clima e em particular os magros resultados da COP 18 em Doha?
«Há todos os anos um ritual
curioso, patético e aparentemente absurdo. Algures numa grande cidade
realiza-se a Conferência das Partes (COP) da Convenção Quadro das Nações Unidas para
as Alterações Climáticas, criada na Cimeira da Terra, realizada no Rio de Janeiro em 1992.
As últimas cidades beneficiadas
pela invasão de uma multidão de delegados nacionais, políticos, jornalistas,
membros de ONG e cientistas foram Copenhaga, Cancun, Durban e, este ano, Doha,
no Qatar, país que tem o recorde das emissões de gases com efeito de estufa
per
capita (55 toneladas de CO2 equivalente por ano e por pessoa em 2005).
A COP 15 de Copenhaga gerou uma
grande expectativa e esperança, mas os resultados finais foram esqueléticos.
Desde então o clima nas COP mudou muito, mas o ritual continua num mundo em
acelerada transformação social, financeira e económica. Mas há outra
transformação no sistema terrestre e em particular num dos seus subsistemas, o
sistema climático, que está também a acelerar. As duas transformações, uma nos
sistemas humanos, outra nos sistemas naturais, estão perigosamente ligadas por
relações de causa e efeito em ambos os sentidos.
Entretanto os cientistas vão
procurando fazer o seu trabalho de análise do sistema climático, do clima
futuro e dos impactos das alterações climáticas antropogénicas nos vários
sectores socioeconómicos e sistemas biofísicos. Recentemente, em Novembro,
foram publicados dois artigos e um relatório que penso serem importantes para
compreender melhor a nossa situação actual e futura.
Comecemos por aquele que diz
respeito ao oceano e às regiões costeiras, onde vive cerca de 40 % da população
mundial a menos de 100km do mar, ou seja, cerca de 2900 milhões de pessoas.
O nível médio do mar subiu mais de 20 cm desde os tempos pré-industriais
até 2009. Qual a razão desta subida?
- A mais importante actualmente é a dilatação térmica da camada superficial dos oceanos que estão a aquecer devido ao aumento da temperatura média global da atmosfera;
- A segunda razão é o degelo dos glaciares das montanhas;
- A terceira, a mais preocupante e mais difícil de estudar, é a fusão dos campos de gelo na Gronelândia e na Antárctica.
O
nível médio do mar continuará a subir aceleradamente se não conseguirmos
reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Esta terceira componente
foi analisada, utilizando novas tecnologias de observação, por 47 cientistas de
26 centros de investigação e publicada na Science em 30 de Novembro. A
conclusão principal é que o degelo das calotes polares entre 1992 e 2011
contribuiu 11,1 mm para a elevação do nível médio do mar, o que corresponde
a cerca de 1/5 da subida total. Actualmente derretem em média num ano 344 mil
milhões de toneladas de gelo, 76% na Gronelândia. O ritmo de fusão dos campos
de gelo polares está a acelerar, sendo actualmente três vezes superior ao da
década de 1990. Isto significa que é cada vez mais provável termos um aumento
do nível médio do mar no fim do século próximo de um metro.
Mas o problema não fica por 2100! O
nível médio do mar continuará a subir aceleradamente se não conseguirmos
reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Todos estes avisos são
especialmente importantes para Portugal, onde o risco de erosão, perda de
terreno e inundação se irá agravar com a subida acelerada do nível médio do mar.
O segundo artigo analisa os
efeitos fisiológicos da seca em 226 espécies de árvores em 81 locais através do
globo com diferentes tipos de floresta, envolveu 25 centros de investigação, e
foi publicado na Nature em 21 de Novembro. As árvores de todo o mundo
transportam diariamente milhares de milhões de litros de água do solo para a
atmosfera por meio de um sistema vascular muito complexo e sensível às
condições climáticas. O artigo conclui que a maioria das espécies de árvores
observadas está com o seu sistema hidráulico perto do limite de segurança, o
que as torna muito vulneráveis às situações de seca.
Este resultado é importante por ser
muito provável que a temperatura e as secas aumentem à escala global com as
alterações climáticas. Para as árvores e para o sistema terrestre as
consequências de secas mais prolongadas e temperaturas mais altas são
potencialmente dramáticas. As florestas tenderiam a passar de sumidouros para
emissores de CO2 e as perdas de biodiversidade seriam muito elevadas. Também
neste caso estamos perante um sério aviso para Portugal, dada a vulnerabilidade
das nossas florestas às secas, às temperaturas mais elevadas e aos fogos.
"O conhecimento existe, os
decisores políticos e o público em geral estão melhor informados e avisados.
Como explicar então a inacção?"
O terceiro estudo é um
relatório do Banco Mundial intitulado “Turn down the heat. Why a 4ºC warmer world must be
avoided”, publicado
também em Novembro. Com o actual ritmo de emissões para a atmosfera
vamos ultrapassar 2ºC de aumento da
temperatura média global, e chegar próximo dos 4ºC. O relatório faz uma
análise detalhada das consequências desse aumento em vários sectores
socioeconómicos e conclui que os impactos seriam muito gravosos, especialmente
para os países menos desenvolvidos.
O conhecimento existe, os decisores
políticos e o público em geral estão melhor informados e avisados. Como
explicar então a inacção resultante das negociações das Nações Unidas sobre o
clima e em particular os magros resultados da COP 18 em Doha?
Os delegados e os membros de
Governo que participam nas reuniões não desempenham prioritariamente o papel de
evitar uma interferência antropogénica perigosa sobre o sistema climático, nem
de defender as gerações futuras, aquelas que irão sofrer mais as consequências
desastrosas daquela interferência. Defendem em primeiro lugar os interesses
nacionais dos países que representam e que obedecem a preocupações e agendas de
curto prazo, agravadas pela actual crise financeira e económica de origem
ocidental, mas que tende a globalizar-se. Será necessário primeiro reconhecer
que pertencemos a uma sociedade global sujeita a riscos globais, na qual a
solidariedade activa entre todos deve ser prioritária». In Filipe Duarte Santos, Opinião, Clima, Os avisos e a inacção, Jornal Público, Dezembro, 2012.
A amizade do Filipe Duarte
Cortesia do Público/JDACT