«Camões usa a expressão Vós, usando pois o vocativo, quando lhe dirige
a palavra. O canto I mostra-nos um homem, Vasco da Gama, mais fraco que os
poderosos deuses, mas dotado da perseverança dos heróis. Vénus desvia ventos e
muda rotas, consegue contrariar Baco que, manhosamente, chegou a fazer
passar-se por mouro. Os portugueses passaram um mau bocado e era-lhes bem
merecido o descanso.
Como que por mágica coincidência, coisa airosa de história bem contada,
avistam terra. Um grupo de ilhas aparentemente desabitadas e com ar ameno e
convidativo. Preparam-se para descansar os portugueses.
Loa, louva a maresia,
pois chega agora a bonança,
que na vida a fantasia
é tão real como a esperança.
Descanso sim, mas muito breve, já que coisas mais importantes estavam
para diante. A ilha de Moçambique era a mais chegada a costa, e dela vêm surgir
alguns batéis. Camões dá-nos uma imagem simpática da gente lusa, pois não
desconfiam, antes ficam contentes por verem gente, já que quem anda no mar só conta estrelas,
lavando mágoas na espuma do m ar, guardando segredos na solitária imensidão da
água.
A ilha era a de Moçambique, pois bem. Mas quem seriam, de que raça, de
que religião, de que parecer, aqueles que vinham nos batéis?
Não há-de ser mais ninguém
não será mistério vão.
E se for que seja alguém
que nos fique em coração.
Vai a ver-se e saem mouros. Mais mouros! Tanta moirama! E estes que faziam
ali? Exploravam o comércio das áfricas que, pelos vistos, ali prosperava. Sem
desconfiarem, os portugueses vá de contar! Que eram das terras lusas, que vinham a
mando do rei, que isto e que aquilo, eu cá sou casado e tu?, então tenho uma
filha, e de que clube é que és?, não sei se era este o diálogo se coisa
parecida, ficaram ali a dar à língua, nem sei eu que língua falam ora uns ora
outros, sei que se entenderam, Camões lá o diz.
Sabemos nós que estes moiros eram uns tramados de uns fingidos.
Prometeram aos portugueses muito apoio. Que tinham para eles um bom piloto, piloto
de mar, desses que olham para o céu e não se perdem nas águas dos oceanos, e
que esse piloto os levava , por montes e vales de marés e água salgada, às
terras cobiçadas da Índia, isto num pulinho, vou ali já volto, sempre a
direito, ou coisa mais ou menos.
Convencem estes mouros os crédulos dos portugueses:
- que lhes fornecerão comida, coisas frescas de comer e água doce de beber, tudo o que quisessem e mais umas coisitas que eles nem sonhavam pedir. Uma aldrabice pegada, garante Camões mais adiante.
Certo é que os portugueses se puseram regaladamente a dormir, que no
dia seguinte tinham visitas, a começar pelo mouro mais importantão que mandava
nas ilhas. Vasco da Gama acordou, parece até que foi o primeiro, tratou de
limpar ramelas e de se refrescar, chamou os mais preguiçosos, deu-lhes que
fazer; alindassem eles os barcos que vinha aí gente graúda». In
Alexandre Honrado, Eu curto… Eu gosto dos Lusíadas, Negócio de Ócio, Lisboa,
2002, ISBN 972-98888-0-9.
Cortesia de Negócio de Ócio/JDACT