«Os trovadores que transpunham os Pirenéus facilmente se faziam ouvir
nas cortes aragonesas, onde eram protegidos e premiados. De Aragão, os jograis
trovadores da Provença ganhavam as cortes vizinhas de Leão e Castela, onde o
seu prestígio internacional forçava a atenção dos reis e cortesãos que
procuravam dourar-se com os ouropéis do estilo poético. Tanto pela língua como
pelos temas, a joglaria provençal não
era de fácil entendimento para os cavaleiros, mais habituados ao realismo e à
rude metrificação dos cantares de gesta.
Mas a élite dava leis e a música asas que permitiam voos por sobre as
fronteiras culturais. Tornou-se moda compor cantigas à maneira provençal.
Não há notícias de que trovadores provençais tenham visitado a corte
dos primeiros reis de Portugal, aqui nos confins do mundo. Mas donde seria o jogral Bonamis
de que fala o testamento de Sancho I? Era inevitável que estes reis e
os respectivos áulicos adquirissem os hábitos das outras cortes de Espanha que
frequentavam, a quem estavam ligados por parentesco apertado e com quem trocavam
os filhos em casamento. Como podia deixar de haver para cá do Ebro
um estilo comum de cortejar as damas?
Já sugerimos noutro lugar que antes da chegada da moda provençal havia
nas cortes de Espanha uma lírica de fundo tradicional, enraizada no Noroeste,
cantada por jograis locais de língua
galego-portuguesa e na qual veio a enxertar-se a influência dos trovadores provençais.
A existência e a difusão de jograis líricos galegos explicariam porque é que o galego-português ficou sendo a
língua lírica dos poetas de toda a Península Ibérica. A língua
castelhana era própria dos jograis épicos. Entre os cantares de amor mais antigos, o de
Sancho I e o de seu bastardo Gil Sanches não têm nada de provençalesco.
Um, o do pai, é uma cantiga de amigo:
Ai eu coitada, como vivo en gran cuidado
Por meu amigo que hei alongado
(Refrão)
Ai eu coitada, como vivo en gran desejo
Por meu amigo que tarda e não vejo
(Refrão)
Outra, a do filho, tem a forma repetitiva, apesar de ser uma cantiga
de amor:
Tu que ora vens de Montemaior
Tu que ora vens de Montemaior
Digas-me mandado de mia Senhor
Digas-me mandado de mia Senhor
(Refrão)
Tu que ora viste os olhos seus
Tu que ora viste os olhos seus
Digas-me mandado dela por Deus
Digas-me mandado dela por Deus
(Refrão)
Estes exemplos reforçam a hipótese de os mais antigos poetas galego-portugueses terem aprendido a
compor na tradição local, e não nos modelos provençais. Ora os jograis e
trovadores constituíram dentro da Península uma confraria internacional e
migratória, viajando de corte em corte, mas tendo sempre na corte dos reis de
Castela e Leão o seu poiso principal, no que respeita ao Ocidente da Península.
Pertenciam a essa confraria indivíduos de todas as nacionalidades: galegos,
portugueses, leoneses, castelhanos, talvez até aragoneses. Alguns nomes de
trovadores célebres exemplificam esta diversidade:
- Afonso X é rei de Castela;
- João Airas é natural de Santiago;
- Dinis I e João Soares Coelho são portugueses;
- João Garcia Guilhade parece ser galego;
- Martim Codax é natural de Vigo;
- Bernal de Bonaval é de uma aldeia próxima de Santiago;
- Martim Moxa parece ser aragonês.
A Península inteira era, de facto, a pátria de todos eles.
- Os poetas ora cantam a pequena aldeia galega onde nasceram;
- ora passam, com mais ou menos demora, pela corte de Portugal;
- ora se fixam e prosperam na corte de Afonso X.
Com o exército de São Fernando tomam parte na conquista de Sevilha. Um
jogral vilão que ganhou celebridade, Lourenço, saiu de Portugal, buscando
amparo junto de Afonso X, e explicou a um confrade que o fazia para ganhar
algo. De facto sabemos que ele veio a comprar casas em Espanha. João Soares
Coelho, importante personagem da corte portuguesa, fez largas temporadas na
corte do Rei Sábio, onde escreveu todas as suas composições que hoje se
podem referenciar. Há algumas alusões nos cancioneiros a acontecimentos
políticos e militares ocorridos em Portugal, como a guerra civil entre Afonso e
Sancho; mas são escassas em comparação com as que se referem a
acontecimentos em Castela: jornada de Sevilha, tomada de Valência, morte de
Fernando III e de sua viúva e outros». In António José Saraiva, O Crepúsculo da
Idade Média em Portugal, Gradiva Publicações, Lisboa, 1998, ISBN 972-662-157-7.
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