O Terramoto. Seus Efeitos e Medidas
Tomadas
«A história de Lisboa, e
com ela a do país inteiro, ficou marcada pelo terramoto que, na manhã de 1 de
Novembro de 1755, destruiu quase completamente a velha cidade que vivia então
os restos da sua opulência. Numerosos tremores de terra ela sofrera já através
dos séculos, os de 1531 e 1597 foram especialmente calamitosos,
jamais, porém, com a intensidade e a magnitude deste, que foram posteriormente calculadas
em adiantado, ou no último, grau das escalas sismológicas de MSK e de Richter,
e pela primeira vez na história isso acontecia a uma cidade de um quarto de
milhão de habitantes.
Uma vasta literatura
internacional, em que figuram os nomes de Voltaire e de Kant,
ocupou-se do trágico acontecimento, figurado também em numerosas gravuras de fantasia
por todo o lado publicadas. Mais fiéis, por terem sido gravadas sobre esbocetos
feitos no local, as de Philippe Le Bas,
gravador régio em Paris, permitem-nos avaliar, em construções monumentais, a
amplitude e o significado dos danos.
Não que Lisboa fosse uma
cidade monumental: ela crescera, desde os tempos medievais, dentro e fora de
duas sucessivas muralhas, a dos Mouros e a do rei Fernando, concentrara-se na
planura, perto do Tejo, a poente do castelo que a defendera, e espalhara-se
pelas colinas, num constante contacto rústico. Na altura do terramoto, um memorialista
digno de fé, Ratton, descreve-a num recinto que abrangia o bairro de Alfama,
bairro do Castelo, Mouraria, rua nova, Rocio, bairro alto, Mocambo, Andaluz,
Anjos e Remulares, contando no resto, que logo depois conheceu
princípio de urbanização, Santa Clara e Sant’Ana, o Salitre, Cotovia de
baixo e de cima, Boa Morte e Alcântara, apenas algumas casas aqui e acolá
à borda de caminhos que atravessavam por terras cultivadas.
Gravura de La Bas
Gerada, nos seus bairros, em torno de igrejas paroquiais e de palácios da nobreza, em aglomerados populacionais que se iam encadeando, a cidade jamais contara com projectos ou reformas de urbanismo e a denúncia da fábrica que falece à cidade de Lisboa feita em 1571 por Francisco de Holanda teve sucessivas verificações nas páginas de viajantes estrangeiros. Todos os (...) que vêm a Lisboa se admiram de não encontrar um edifício que mereça a menor atenção, escreveu-se já em 1755. Uma cidade de África, dizia um cronista francês, uma fermosa estrivaria, acrescentava o Cavaleiro de Oliveira do seu exílio londrino…
Na verdade, as suas ruas
estreitas, sujas e incómodas, a incomodidade das suas casas e o vazio
dos seus palações definiam estruturas e hábitos que uma arquitectura pobre simbolizava,
com algumas excepções, num ou noutro palácio mais cuidado a partir do domínio
espanhol seiscentista, cujo arquitecto titular, o italiano Filippo Terzi,
fornecera à cidade o modelo duma igreja, S.
Vicente-de-Fora, e um palácio real que, sucessivamente embelezado,
seria, na primeira metade do século XVIII, sob João V, a expressão dum gosto
faustoso que o novo ouro do Brasil e os seus diamantes pagavam. O rei-sol
português, empenhado na obra do convento-palácio-igreja de Mafra, não pôde, porém, dar corpo ao seu sonho de uma grande igreja
patriarcal e dum grande palácio que Iuvara chegou a vir estudar a Lisboa,
e a decoração dos dois edifícios de que dispunha havia de bastar-lhe. Ao mesmo conjunto
arquitectónico consagrou o rei José I, subido ao trono em 1750, todo o seu interesse, especialmente manifestado pela
edificação dum luxuoso teatro de Ópera,
traçado em Itália por um Bibiena, e inaugurado sete meses antes do terramoto
que inteiramente o destruiu.
Duas obras vinham, porém, deste passado variado que contrastavam com o seu teor ocasional: um bairro, construído a partir dos princípios do século XVI e sobretudo significativo na vida lisboeta dos finais de Quinhentos e do século seguinte, o Bairro Alto, que beneficiara da vizinhança dos Jesuítas de S. Roque, senão, em termos de arquitectura e de urbanismo racional, do seu espírito severo e rígido, e o aqueduto que em França se descrevia como a mais magnífica e a mais sumptuosa empresa (do) género, e, terminado em 1748, fora devido a impostos lançados durante o reinado de João V. Bairro e aqueduto pouco ou nada sofreram com a catástrofe de 1755». In José Augusto França, A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina, Director da Publicação António Quadros, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Minerva do Comércio, Instituto Camões, 1986.
Cortesia de I.
Camões/JDACT