terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Lisboa. Urbanismo e Arquitectura. José Augusto França. «O centro desta zona seria a parte mais povoada da urbe, comportando uma via principal, entre Sant’António da Sé e as Portas dos Sol, e um bairro de maior luxo, entre a Madalena, S. Mamede e S. Nicolau. Pelo meio, o Forum, junto à basílica, ou outro templo, que estaria na base da futura Sé; ao cimo do monte, um castellum defensivo»


Cortesia de wikipedia e jdact

A Cidade Medieval
«Lisboa nasceu do rio, do largo estuário do Tejo que nos princípios do Quaternário se sabe estar unido ao Sado na grande depressão hispano-lusitânia na qual emergia como ilha a serra da Arrábida. Do Paleolítico em diante, já há muito definida a península fronteira, o sítio futuro de Lisboa teve habitantes que deixaram vestígios de instrumentos e objectos de indústria no seu solo arqueológico, e logo pelo monte cimeiro do estuário, a poente, uma das sete colinas que algo confusamente se nomeariam no século XVII. O sítio, protegido do oceano mas a ele ligado por águas tranquilas, com montes e vales férteis sob um clima ameno, naturalmente atraiu populações que sucessivamente invadiram e ocuparam o território extremo da península da Hispania, no dizer dos Fenícios que terão sido os primeiros povoadores mais demorados do local a que deram o possível nome qualificativo de Alis ubbo, com o significado suposto de enseada amena. Permaneceram seis séculos, do XVII ao VI a. C., sem que até nós chegassem vestígios seus, e cederam lugar a Gregos e Cartagineses, e estes, cerca de 195 a. C., aos Romanos seus vencedores, ocupantes se define e organiza.
Instalados durante mais de seis séculos no local já conhecido, os Romanos chamaram-lhe Olisipo e Olisipone, que, por confusão com Odysseia, que Estrabão situa na Andaluzia, dizendo-a fundada por Ulisses-Odysseus por este se supôs fundada, numa lenda adoptada por Damião de Góis e de persistente memória, e Felicitas Julia, como posterior nome oficial, em homenagem a Júlio César. Ali desenvolveram eles uma colonização que passava pela edificação do equipamento cívico necessário à sua civilização. Nada restou disso, a não ser vestígios epigráficos e um ou outro elemento arquitectónico descoberto no subsolo da cidade desde meados do século XVIII, com especial relevo para um vasto teatro dedicado a Nero que foi objecto recente de escavações, na zona de S. Mamede-Caldas. Uma inscrição data-o de 57 d. C.. Na mesma zona existiram termas dos Cassios, construídas por 49 a. C. e reconstruídas em 336 d. C.; e na Rua da Prata, esquina da Rua da Conceição, outras termas dos Augustaes, construídas sob Tibério (c. 20-35 d. C.) e reconstruídas sob Constantino, como as outras. À Madalena existiu uma grande construção, provavelmente um templo consagrado a Cibele, cujos vestígios revelam importância e riqueza. Outro, dedicado a Tétis, terá existido também no local da Igreja de S. Nicolau, e encontraram-se vestígios duma torre ou atalaia romana na esquina da Rua da Conceição com a dos Sapateiros,  enquanto uma tradição discutida supõe implantada ao alto da Rua Vítor Cordon uma casa de recreio dos pretores.
Tais são as notícias mais ou menos concretas que chegaram até nós, e, a partir delas e de outros vestígios, registando os locais referidos, pôde tentar-se esboçar um traçado hipotético da urbanização de Olisipo. Aparece ali um sistema de vias, a primeira das quais, partindo do sítio actual das Portas do Sol-Contador-mor, circundaria o monte do Castelo a meia encosta, bifurcando-se em Santo André, para Norte, pela calçada de Santo André e Olarias, e, para nascente, na direcção de S. Vicente, círculo que seria cortado por uma secante entre a Porta da Alfofa e S. Tomé; outra via, saindo também do Contador-mor, partiria para poente até à Porta do Ferro, a Sant’António da Sé, e seguiria para Norte, pela Madalena, S. Mamede e S. Nicolau, para S. Domingos, bifurcando-se em S. Nicolau para atingir o Borratém e prosseguir pela Mouraria e Benformoso; da Porta do Ferro partiria outra via para nascente, até à Porta da Alfama e daí pela linha das ruas dos Remédios e do Paraíso.
O centro desta zona seria a parte mais povoada da urbe, comportando uma via principal, entre Sant’António da Sé e as Portas dos Sol, e um bairro de maior luxo, entre a Madalena, S. Mamede e S. Nicolau. Pelo meio, o Forum, junto à basílica, ou outro templo, que estaria na base da futura Sé; ao cimo do monte, um castellum defensivo».
In José Augusto França, Lisboa. Urbanismo e Arquitectura, Director da Publicação Álvaro Salema, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, série Artes Visuais, Instituto Camões, 1980.

Cortesia de I. Camões/JDACT