Mas os filólogos continuavam a opor dúvidas aos etnólogos… Como
resolver o problema da quantidade silábica, de longa para breve, ou seja de Lüsis
para Lüsis?
Propusemos então que se lesse de preferência Lysis, baseados nos
seguintes argumentos:
- A substituição da letra u por y, justificada com grafias como Aryium e Aruii; Oestymnide e Oestrumnidum;
- A alteração de c para s, tendo em atenção que tal já se verificava, segundo Bourciez, no latim vulgar da época imperial; Meillet, por seu turno, confirma a antiguidade do fenómeno, que, existindo há muito na boca do vulgo, só pelos séculos II e III d. C. entrou nas classes cultas com a pronúncia sibilada. Assim, a grafia Lycis é, meramente fonética, tendo as duas consoantes o mesmo valor. Quer dizer: as duas formas Lycis/Lysis poderiam concorrer com idêntica pronúncia;
- A quantidade da primeira sílaba destes dois vocábulos temo-la por breve, ou seja, igual à do etnónimo Lígus ou do antropónimo Licus;
- A existência do binómio Lysis/Lysus encontra formas géneres em Viriatus/Viriatis, abonadas pela epigrafia.
Parece, pois, que o verso deverá ser assim restituído:
- Ophiussae in agro. Propter hos, pernix Lysis.
Em conclusão: reforçámos, e apoiámos com argumentos filológicos, a tese
etnológica de Mendes Correia,
ao defender que, no v. 196 da Ora maritima de Avieno, se contém a mais antiga referência literária
conhecida a um povo do mesmo tronco étnico de Lusões e Lusitanos. E,
hoje em dia, ainda não temos motivos, de qualquer ordem, que nos levem a
afastar-nos da posição que então, em 1967, sustentámos.
Aproveitamos para divulgar, com uma versão nossa, o texto de Avieno, na parte relativa ao
litoral hoje português, servindo-nos do texto editado por E. Despois e Éd
Saviot (Paris, 1843), revisto por nós:
- … é então que avulta o cabo Cêmpsico, dominando uma ilha subjacente (Ácale lhe chamam os que lá vivem). Não se aceita facilmente (pois parece milagre). Se bem que não faltem os exemplos dos autores a comprová-lo. Quando dizem que, nos confins de Ácale. O mar não conserva a beleza costumada, (pois, se as águas têm, em qualquer ponto. Um brilho cristalino, e não há dúvida de que, através dos abismos do mar. As águas reflectem uma cor azulada. Nos confins de Ácale, lembram-no os Antigos, as águas do mar, misturadas com a sujidade e a imensa lama, como que estagnam em pântanos lodosos. Os Cempsos e os Sefes povoam colinas escarpadas. No agro de Ofiussa. Não longe deles, o Luso ágil. E os filhos dos Dráganas haviam-se fixado. De preferência, nos montes nevados do Norte. Para Ocidente, há uma ilha, Petânion. E um grande porto. Com os Cempsos confinam. As gentes dos Cinetes; é então que se ergue Altaneiro, qual limite da opulenta Europa. O cabo Cinético, lá onde declina a sidérea luz. Olhando o Oceano povoado de monstros. Ana é o rio que percorre a região dos Cinetes. E lhes rega a terra; abre-se depois um golfo. E a terra cavada alonga-se para o Sul. Daquele rio rasgam-se subitamente dois braços. Que, através das águas espessas. O mar engrossa-se aqui todo ele com lodo. Arrastam os seus lentos cursos. Neste ponto se eleva, bem à vista. O vértice de duas ilhas: a mais pequena não tem designação. Mas à outra tradição pertinaz fixou-lhe o nome de Agónis. Segue-se um rochedo consagrado a Saturno. E que assusta por seus penhascos; o mar encrespado referve em torno. E a praia rochosa estende-se ao longe. Por estes sítios, as pessoas criam cabras felpudas e bodes. Que vagueiam constantemente através dos arbustos serranos […]
Identificação de alguns passos de Avieno segundo o arqueólogo Eduardo
Prescott Vicente:
- Cabo Cêmpsico: cabo Espichel. Rochedo consagrado a Saturno: cabo de S. Vicente. Um grande Porto: o estuário do Sado. Ácale: ilha hoje incluída na península de Tróia. Petânion: ilha a pouca distância da margem norte do estuário do Sado, hoje incluída na península de Santa Catarina. […]
- Cabo Cinético: Sines. Rio Ana: o Sado. Agónis: ilha do Pessegueiro. Monte consagrado a Zéfiro: serra de Monchique. Agro tartéssico: região que compreendia o Baixo Alentejo, o Algarve e parte da Andaluzia. Rio Tartesso: o Guadalquivir. Zéfiris: a Fóia, ponto mais alto da serra de Monchique.
In Justino Mendes de Almeida, Estudos de História da Cultura
Portuguesa, Academia Portuguesa da História, Universidade Autónoma de Lisboa, O
Pernix Lysis, Lisboa, 1996.
Cortesia da AP de História/JDACT