domingo, 20 de janeiro de 2013

Eu curto… Eu gosto dos Lusíadas. Alexandre Honrado. «Ou talvez não. E se não fossem? Chegou e pôs-se logo com inquéritos e bisbilhotices, o Vasco da Gama a dizer: “eh lá! Este é um metediço!” Mas o Vasco da Gama só disse com os seus botões, em voz alta meteu os pés pelas mãos…»


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«Vasco da Gama acordou, parece até que foi o primeiro, tratou de limpar ramelas e de se refrescar, chamou os mais preguiçosos, deu-lhes que fazer; alindassem eles os barcos que vinha aí gente graúda. O tal importante não sabia nada acerca dos portugueses, nem do que eram nem em que acreditavam, se eram por Alá se por Deus, coisas que nessa época eram muito importantes e necessárias, não sabia ainda se vinham a toa ou com rumo certo. Tinha até uma desconfiança:
  • pela cor da pele,
  • modos e roupas,
  • se calhar eram Turcos,
  • e isso nem era mau, era mais ou menos,
  • gente da mesma fé entende-se sempre e vai daí talvez.
Ou talvez não. E se não fossem? Chegou e pôs-se logo com inquéritos e bisbilhotices, o Vasco da Gama a dizer: eh lá! Este é um metediço!
Mas o Vasco da Gama só disse com os seus botões, em voz alta meteu os pés pelas mãos, contou tudo e mais o que não devia contar, e ainda por cima usou um intérprete, já que o outro falava uma língua de trapos e rodilhas. Contou tudo, mostrou-lhe as armas que tinha, as ideias em que acreditava.

Quem lá vem traz só a pele
não esconde o amor que tem,
neste mundo pobre dele
que sem ter mal não está bem.

O tal importante olhou para as armas com ar de apalermado. Safa, que aqueles portugueses não faziam a coisa por menos:
  • armaduras, espingardas de aço,
  • pelouras,
  • aljavas,
  • bombardas,
  • chuços.
Os tipos, pensou o importantaço, são assim a modos que ingénuos, mas têm um arsenal capaz de partir a loiça toda! Vasco da Gama confiava. Achava aqueles mouros de ar tranquilo e afável, porque não confiar neles?
Estava enganado. O tal importante sorria e por dentro enchia-se de raivas. Estes portugueses eram perigosos. Tinham armas poderosas. Aquilo metia medo! Ainda por cima, este Vasco e todo sorrisinhos e falinhas mornas... deve estar a querer pregar-nos alguma!
O importante disfarçou, que isto e mais aquilo e talvez mais um bocado e assim assim, sabe-se lá. O que ele não queria era levantar suspeitas. Queria atrair os portugueses para uma armadilha e dar-lhes no lombo. Afinal, maometanos e cristãos. Há muitos anos que andavam a combater-se.
E voltam os deuses a entrar na história. Baco torna, por seu turno, a fazer passar-se por mouro. Dá uma ajuda ao tal poderoso, aconselha-o a matar os portugueses. E quando estes chegaram a praia, para ir buscar os mantimentos prometidos, e o piloto que os guiaria, foram recebidos por uma chuva de setas. Sorte, destreza, reviravoltas de narração:
  • ficaram feridos,
  • maltratados,
  • correram,
  • uma estafadeira pegada, mas nenhum morreu.
Reuniram-se e defenderam-se e mostraram o que valiam: puseram a artilharia aos gritos, o que para os mouros foi um susto dos maiores. Alguns atiraram-se à água mesmo sem saber nadar, e outros fugiram que nunca mais ninguém os viu». In Alexandre Honrado, Eu curto… Eu gosto dos Lusíadas, Negócio de Ócio, Lisboa, 2002, ISBN 972-98888-0-9.

Cortesia de Negócio de Ócio/JDACT