«Não atingia o escalão da banca nacional e internacional. Por outro
lado parece que não tinha em devida conta o facto de que a grande maioria da
população camponesa é constituída não por proprietários mas por trabalhadores,
os quais ficariam praticamente fora da organização política dos municípios. É verdade
de que para este problema imaginou uma solução radical: suprimir simplesmente
os proletários agrícolas convertendo-os em proprietários. Esta solução era
todavia inviável desde que Herculano
não preconizava a abolição da grande e da média propriedade. Além de que, quem
ia fomentar o acesso do trabalhador à pequena propriedade? O governo então vigente?
A futura federação de municípios representante em última análise dos
proprietários já estabelecidos?
A ilusão política, que consistia em considerar os partidos independentemente
das suas raízes económico-sociais; à ilusão económica, que consistia em
considerar Portugal como uma simples associação de proprietários rurais, vinha
juntar-se por fim uma outra ilusão acerca da posição de Portugal dentro da evolução
da economia mundial. Herculano
manifestava a esperança de que Portugal viesse a escapar aos efeitos da
industrialização e da concentração industrial, para o que deveria fomentar-se a
agricultura e a pequena propriedade. Não via que as malhas do capitalismo industrial
não se detêm diante de fronteiras e que os sistemas mais atrasados ou mais
fracos, são por ele assimilados ou integrados como já na sua época mostrava o
colonialismo; que mesmo que não ultrapassasse o estádio agrícola, Portugal
seria absorvido por aquele sistema, e, nesse caso, em condições desfavoráveis;
que um Portugal agrícola estaria desarmado para a competição económica
internacional, reduzido a comprar com mercadorias pobres os produtos altamente
valorizados dos países industriais, desempenhando a dupla função de os
alimentar e de lhes servir de mercado de exportação; que, finalmente, como país
de mão de obra barata e tecnicamente atrasado, tornar-se-ia um excelente mercado
de colocação de capitais, pagos a altos juros, como a partir do fim do século
XIX, a Rússia, os Balcans, a América do Sul, entrando assim na categoria
dos países chamados semi-coloniais.
Precisamente a Regeneração
estava abrindo o caminho através da política de viação, à penetração de capitais
estrangeiros. Mas isso resultava precisamente do nosso atraso técnico, e impunha
a urgência de avançar no caminho da industrialização em vez de recuar. É possível
que Herculano entrevisse confusamente a abdicação que representava esta entrega
de Portugal à colonização do capital estrangeiro na qualidade subalterna a que
as circunstâncias nos obrigavam; e a ideia de dividir e terra e aumentar a
produção agrícola, de conservar a fisionomia económica tradicional podia representar
um movimento instintivo de defesa da independência da economia nacional, movimento,
porém, inteiramente inadequado.
Em resumo o programa económico-social que Herculano opunha ao parlamentarismo e ao fomento regeneratórios era
inexequível, ia contra a evolução económica e social da sua época, e assentava
numa fase económica que há muito tínhamos ultrapassado pelo simples facto de se
ter transformado o mundo à nossa volta». In António José Saraiva, Herculano
Desconhecido. 1851-1853, Edições SEN, Porto, 1953.
continua
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